Capítulo Um - Idas e Vindas

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Sempre fui acostumada com as idas e vindas. Nunca parei em casa, nem mesmo na infância. Eu não tinha ideia de que se precisava formar uma casa até ter os meus irmãos mais novos. Eles encheram cada cômodo com um tipo de vida que eu não conhecia.

Quando menor, meus pais me levavam para viajar sempre. Praia, montanhas, fazendas, parques, a sorveteria na esquina, todos os momentos que deixávamos nossa casa pareciam enormes para uma garota tão pequena.

Eu esbarrei em um mapa mundi e um globo terrestre na quarta série. Eu não tinha noção de quão grande era o mundo, de como tudo podia parecer novo se olhasse de outro lugar. Uma pessoa me observando da África, do outro lado do oceano? Que demais!

E agora, morando a quase treze mil quilômetros dos meus pais, amigos de infância, tios, avós e qualquer outro conhecido, meu coração se parte ao meio. Por que todos os países não são colados um no outro? Por que as passagens aéreas não são mais baratas? Por que é tão difícil manter algo? Por que existem tantas barreiras no meio do caminho para a felicidade?

Bom, ainda bem que existe passagem de avião para o outro lado do mundo durante a minha folga de verão. Sam pegou o carro dos pais dela emprestado para me trazer no aeroporto e ela chorou tudo o que tinha para chorar. Como se eu fosse embora para sempre, eu disse para ela. Pena que por conta do trabalho, ela não pode ir comigo.

Meus pais insistiram que eu deveria pegar a classe executiva do avião, mas a econômica está ótima para mim. Eu não fiz algumas viagens para o Brasil assim antes? Não tem problema, eu disse em uma ligação. Eu até queria colocar o Brasil no roteiro dessa viagem, mas não há como a agenda dos meus pais abrir espaço para mim em julho, nessa altura da vida. Então eu deixei ele comprar a passagem para mim. Classe econômica, sem discussões.

A moça do guichê do portão acabou de conferir meu passaporte, sorriu e me desejou boa viagem. Será que vai ser tão boa quanto ela imagina? Eu não sei.

Eu, sinceramente, não sei.

O livro na minha mão diz que talvez as coisas não deem certo para a protagonista. As anotações no meu notebook dizem que a lei de Murphy fará tudo dar errado. Meus pensamentos nem aqui estão. As mensagens dele eu meio que ignorei para não ficar pensando nisso.

É um longo voo e se eu não acertar nos horários, eu vou aterrissar com o maior jet lag da minha vida.

A comissária na porta olha para o meu bilhete e aponta para a direita e não para a esquerda. Eu fico confusa por um segundo quando olho e vejo que é a primeira classe do avião, e não a econômica. Ela sorri e pede para que eu entre logo. Olho para trás, eu sou a última pessoa embarcando.

- Me desculpa, mas eu acho que essa passagem está errada. Meu namorado comprou na classe econômica para mim. - Digo com toda a gentileza no mundo.

- Não, querida. Esse bilhete é para a primeira classe, você entrou um pouco atrasada, mas não tem problema. Por favor, me siga.

Ela acena para seu colega de trabalho e me guia para dentro do avião. Ela se aproxima de um cubículo vazio do lado esquerdo do avião, com vista para a pista e o túnel de embarque. Percebendo o meu estranhamento com tudo aquilo, ela explica como funciona, aponta para o menu e para a tela em frente ao assento reclinável.

- Se precisar de alguma coisa, só apertar esse botão - ela mostra, ao lado da cadeira, um botão para atendimento. - Posso guardar sua mochila?

- Não, não, tudo bem. Eu quero ficar com ela.

- Tenha uma boa viagem, senhorita.

Acomodo-me e uso os últimos segundos em terra para mandar uma mensagem para o responsável pela compra da minha passagem que não precisava disso tudo. Não consigo ver a resposta, a voz do piloto pede para que desliguemos nossos celulares e apenas o faço.

O céu lá fora é negro e eu não resisto, fecho os meus olhos assim que me deito e sou acordada para o jantar. Depois disso, eu desmaio.

Dane-se plano para não sofrer de jet lag.

Amarga Saudade | ✓Where stories live. Discover now