Cecília
meses depois...
— Chegou a hora, querida — o médico diz com paciência. — Faça mais força. Sei que você consegue.
— Eu não consigo — choramingo, tentando não gritar de dor.
— Você consegue sim.
Há três horas estou nessa sala de parto, tentando trazer Maria Alice ao mundo, mas a dor está insuportável.
Senti uma dor chatinha no pé da barriga ontem à tarde e, quando fui dormir, só lembro-me de acordar com uma dor intensa de madrugada, pois a bolsa amniótica havia acabado de estourar.
Despertei o Bernardo e tentei manter a calma para que ele não se desesperasse. Fiquei com pena do seu pavor e me controlei até chegar ao hospital.
— Dói — murmuro, exausta.
Metade da tensão deixa meu corpo quando sinto uma mão sobre a minha.
— Bernardo?
— Estou aqui, princesa. Nada vai dar errado, então fica calma. – Ele tenta ser forte, mas eu noto pavor na sua voz. Ele deve está tão assustado quanto eu.
— Isso é bem difícil agora, né. — Tento soar brincalhona, mas outra dor intensa me faz soltar um grito estrangulado.
— Não chora. Pensa na nossa Maria Alice que está prestes a nascer. Pensa no quanto você será uma mãe maravilhosa e vai amá-la assim como ama o Carlinhos. Pensa em coisas positivas, tudo bem?
Assinto.
— Ok.
Tento fazer o que ele pediu e isso realmente ajuda. Não posso desistir.
— Nós já passamos por tanta coisa. — Soluço.
— Sim, passamos. E ainda estamos aqui, né? — Bernardo segura meus dedos. — Eu sempre vou estar ao seu lado. Eu te amo.
— Eu também te amo. Obrigada — sussurro, antes de me esforçar para trazer nossa filha ao mundo.
***
— Ela é linda, Cecília — diz Bernardo, orgulhoso. Algo na sua voz me diz que ele chorou recentemente.
Maria Alice para de chorar quando acaricio a sua cabecinha, tocando uma leve penugem. Eu a embalo, sentindo o seu corpinho macio e pequeno.
— Eu te amo tanto, meu anjinho — murmuro, emocionada.
— É uma menina grande e muito saudável — a enfermeira comenta.
— É mesmo. — Bernardo concorda antes de beijar a minha testa.
O parto foi difícil, não posso negar, mas valeu a pena cada dor, para que pudéssemos ter esse momento único. Não tenho vontade de mudar nada, o destino nos trouxe algo perfeito, afinal nossa Maria Alice nasceu saudável e é isso que importa.
Em breve, ela vai conhecer o irmãozinho e, segundo o Bernardo, Carlinhos vai protegê-la dos garotos que tentarem se aproximar. Eu ri muito disso, mas concordei para não deixá-lo irritado, pois com a nossa menina ele está se tornando bem ciumento, e isso é fofo. Bernardo ama a filha e só quer protegê-la, apesar de isso não ser muito eficaz no futuro caso ela herde seu jeito meio impulsivo.
***
B e r n a r d o
um ano depois...
Estou morrendo de medo. Não literalmente, é claro, mas chega bem perto.
Não quero que a Cecília se decepcione quando finalmente abrir os olhos. Se ela não gostar da minha aparência, isso vai me destruir.
Há duas horas, ela entrou na sala de cirurgia e eu não tive qualquer notícia. Só espero que ela esteja bem.
Encaro rapidamente a nossa família espalhada pelo corredor, igualmente ansiosa. Desvio o olhar, enfiando as mãos geladas de nervosismo dentro dos bolsos da calça jeans.
— Será que ela vai gostar de me ver? — pergunto em voz baixa, encarando uma das paredes.
Barbara põe a mão no meu ombro, passando tranquilidade.
— Ela te ama, Bernardo. Consigo perceber isso de longe. Mesmo nunca tendo visto o seu rosto, ela construiu uma família com você, com duas crianças lindas. Então não se preocupa, tá.
— Você tem razão. — Assinto, antes de sentar em uma cadeira.
Andei pesquisando na internet que a cirurgia de transplante de córnea não apresenta risco, como outras cirurgias desse hospital, mas eu não consigo deixar de me preocupar.
Todo o dinheiro que foi guardado ao longo do tempo através do meu trabalho e parte das economias de Laura foi suficiente para pagarmos a cirurgia, afinal ela é cara. A tia da Cecília não negou que havia ficado com medo de tentar investir na cirurgia antes, pois Cecília ainda era muito pequena e o médico disse que ela não poderia mais enxergar. Tentando evitar uma decepção para a sobrinha e algum risco de vida, ela não sustentou a perspectiva de uma cirurgia. Pelo menos não até um oftalmologista de São Joaquim nos dar esperança.
Eu me lembro de mais cedo, quando conversei com a Cecília durante o caminho para o hospital:
— Eu já pensei na possibilidade de essa cirurgia não dar certo, sabe — murmurou ela com a cabeça em meu ombro.
— Tenho certeza que vai dar tudo certo — eu disse, beijando sua testa.
— Mas se não der, eu não vou ficar muito triste, talvez um pouco, mas não em absoluto.
Eu a encarei, concentrado em suas palavras.
— Eu já convivi com a escuridão por muito tempo. Acabei me acostumando com ela, então se eu não voltar a enxergar, ainda assim ficarei feliz.
— Eu te amo — eu disse, admirado. — Eu sou o cara mais sortudo do mundo por ter você.
— Eu também sou a garota mais sortuda do universo. — Ela fez um gesto com os braços, antes de sorrir. — Além do mais, eu já tenho tudo o que precisava para ser feliz, Bernardo — disse ela com lágrimas nos olhos lindos. — Eu tenho você e os meus filhos e nada é melhor que isso.
Passo a mãos nos olhos úmidos, ao me lembrar da nossa conversa. A minha menina é muito mais forte do que eu imagino. E caso essa cirurgia não der certo, ainda, sim, continuarei ao seu lado, porque um transplante ou qualquer outra coisa não vai definir o tamanho do meu sentimento por ela; um sentimento de dependência que às vezes me assusta, mas é, ao mesmo tempo, libertador.
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Uma Luz Na Escuridão
RomanceCecília é cega. Anos depois de perder a visão e os pais em um terrível acidente de carro, ela se muda para uma bela cidade em Santa Catarina, conhecida pelo inverno rigoroso. Tudo está perfeito, até ele aparecer. O primeiro dia na nova escola acaba...