48 - bons momentos

5.3K 501 32
                                    

Cecília

meses depois...

Chegou a hora, querida — o médico diz com paciência. — Faça mais força. Sei que você consegue.

— Eu não consigo — choramingo, tentando não gritar de dor.

— Você consegue sim.

Há três horas estou nessa sala de parto, tentando trazer Maria Alice ao mundo, mas a dor está insuportável.

Senti uma dor chatinha no pé da barriga ontem à tarde e, quando fui dormir, só lembro-me de acordar com uma dor intensa de madrugada, pois a bolsa amniótica havia acabado de estourar.

Despertei o Bernardo e tentei manter a calma para que ele não se desesperasse. Fiquei com pena do seu pavor e me controlei até chegar ao hospital.

— Dói — murmuro, exausta.

Metade da tensão deixa meu corpo quando sinto uma mão sobre a minha.

— Bernardo?

— Estou aqui, princesa. Nada vai dar errado, então fica calma. – Ele tenta ser forte, mas eu noto pavor na sua voz. Ele deve está tão assustado quanto eu.

— Isso é bem difícil agora, né. — Tento soar brincalhona, mas outra dor intensa me faz soltar um grito estrangulado.

— Não chora. Pensa na nossa Maria Alice que está prestes a nascer. Pensa no quanto você será uma mãe maravilhosa e vai amá-la assim como ama o Carlinhos. Pensa em coisas positivas, tudo bem?

Assinto.

— Ok.

Tento fazer o que ele pediu e isso realmente ajuda. Não posso desistir.

— Nós já passamos por tanta coisa. — Soluço.

— Sim, passamos. E ainda estamos aqui, né? — Bernardo segura meus dedos. — Eu sempre vou estar ao seu lado. Eu te amo.

— Eu também te amo. Obrigada — sussurro, antes de me esforçar para trazer nossa filha ao mundo.



***



— Ela é linda, Cecília — diz Bernardo, orgulhoso. Algo na sua voz me diz que ele chorou recentemente.

Maria Alice para de chorar quando acaricio a sua cabecinha, tocando uma leve penugem. Eu a embalo, sentindo o seu corpinho macio e pequeno.

— Eu te amo tanto, meu anjinho — murmuro, emocionada.

— É uma menina grande e muito saudável — a enfermeira comenta.

— É mesmo. — Bernardo concorda antes de beijar a minha testa.

O parto foi difícil, não posso negar, mas valeu a pena cada dor, para que pudéssemos ter esse momento único. Não tenho vontade de mudar nada, o destino nos trouxe algo perfeito, afinal nossa Maria Alice nasceu saudável e é isso que importa.

Em breve, ela vai conhecer o irmãozinho e, segundo o Bernardo, Carlinhos vai protegê-la dos garotos que tentarem se aproximar. Eu ri muito disso, mas concordei para não deixá-lo irritado, pois com a nossa menina ele está se tornando bem ciumento, e isso é fofo. Bernardo ama a filha e só quer protegê-la, apesar de isso não ser muito eficaz no futuro caso ela herde seu jeito meio impulsivo.



***



B e r n a r d o

um ano depois...

Estou morrendo de medo. Não literalmente, é claro, mas chega bem perto.

Não quero que a Cecília se decepcione quando finalmente abrir os olhos. Se ela não gostar da minha aparência, isso vai me destruir.

Há duas horas, ela entrou na sala de cirurgia e eu não tive qualquer notícia. Só espero que ela esteja bem.

Encaro rapidamente a nossa família espalhada pelo corredor, igualmente ansiosa. Desvio o olhar, enfiando as mãos geladas de nervosismo dentro dos bolsos da calça jeans.

— Será que ela vai gostar de me ver? — pergunto em voz baixa, encarando uma das paredes.

Barbara põe a mão no meu ombro, passando tranquilidade.

— Ela te ama, Bernardo. Consigo perceber isso de longe. Mesmo nunca tendo visto o seu rosto, ela construiu uma família com você, com duas crianças lindas. Então não se preocupa, tá.

— Você tem razão. — Assinto, antes de sentar em uma cadeira.

Andei pesquisando na internet que a cirurgia de transplante de córnea não apresenta risco, como outras cirurgias desse hospital, mas eu não consigo deixar de me preocupar.

Todo o dinheiro que foi guardado ao longo do tempo através do meu trabalho e parte das economias de Laura foi suficiente para pagarmos a cirurgia, afinal ela é cara. A tia da Cecília não negou que havia ficado com medo de tentar investir na cirurgia antes, pois Cecília ainda era muito pequena e o médico disse que ela não poderia mais enxergar. Tentando evitar uma decepção para a sobrinha e algum risco de vida, ela não sustentou a perspectiva de uma cirurgia. Pelo menos não até um oftalmologista de São Joaquim nos dar esperança.

Eu me lembro de mais cedo, quando conversei com a Cecília durante o caminho para o hospital:

Eu já pensei na possibilidade de essa cirurgia não dar certo, sabe murmurou ela com a cabeça em meu ombro.

Tenho certeza que vai dar tudo certo eu disse, beijando sua testa.

Mas se não der, eu não vou ficar muito triste, talvez um pouco, mas não em absoluto.

Eu a encarei, concentrado em suas palavras.

Eu já convivi com a escuridão por muito tempo. Acabei me acostumando com ela, então se eu não voltar a enxergar, ainda assim ficarei feliz.

Eu te amo eu disse, admirado. Eu sou o cara mais sortudo do mundo por ter você.

Eu também sou a garota mais sortuda do universo. Ela fez um gesto com os braços, antes de sorrir. Além do mais, eu já tenho tudo o que precisava para ser feliz, Bernardo disse ela com lágrimas nos olhos lindos.Eu tenho você e os meus filhos e nada é melhor que isso.

Passo a mãos nos olhos úmidos, ao me lembrar da nossa conversa. A minha menina é muito mais forte do que eu imagino. E caso essa cirurgia não der certo, ainda, sim, continuarei ao seu lado, porque um transplante ou qualquer outra coisa não vai definir o tamanho do meu sentimento por ela; um sentimento de dependência que às vezes me assusta, mas é, ao mesmo tempo, libertador.

Uma Luz Na EscuridãoWhere stories live. Discover now