Prólogo

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Arthur

      Odeio as sessões exaustivas de fisioterapia, odeio os olhares de pena que minha família me lança toda vez que estão por perto e odeio esse caos que minha vida se tornou desde o acidente. Odeio tudo!

Quando penso na minha vida de antes, parece que faz mil anos desde que tudo aconteceu, mas na realidade, só se passaram seis meses desde que aquela moto cruzou na minha frente, me fez sair da estrada e cair naquela ribanceira.

Os médicos gostam de repetir que sobrevivi por um milagre, já que não estava usando o cinto de segurança. Minha família também acredita em milagre, mas prefiro acreditar que sobrevivi por castigo.

Não posso chamar de milagre essa droga de vida que venho levando ao longo desses cento e oitenta e poucos dias. Perder os movimentos das pernas foi apenas o começo do meu pesadelo. Depois do diagnóstico de paraplegia, também perdi contratos de trabalho, perdi amigos e perdi minha noiva.

Ellen e eu estávamos juntos há quase sete anos e tínhamos acabado de noivar quando me acidentei. Ela permaneceu comigo nas semanas mais críticas, mas depois que tive alta, senti que estava muito afetada pelas minhas limitações, então, disse a ela que era melhor terminarmos e que ela devia seguir sem mim. Ellen não discutiu. Me deu um beijo breve e perguntou se podíamos continuar sendo amigos.

Ela sumiu desde então. Mandou alguns e-mails no início, dizendo que estava em Miami, fazendo um curso importante, mas depois, nem isso.

Os amigos de escritório também foram se ausentando aos poucos. Um por um, até sobrar apenas o Miguel, meu sócio, mas sei que é questão de tempo ele sumir também. É horrível compreender que a vida segue seu curso sem a gente. Tudo se adapta e continua a existir. Somos facilmente substituídos no trabalho e na vida.

Mas minha família é guerreira e não me dá trégua. Se não fosse por eles, eu já teria desistido de tudo há muito tempo. Não é fácil lidar com tanta mudança e com dores excruciantes diariamente.

Minha mãe e minhas duas irmãs se revezam para cuidar de mim. Nunca me dão um minuto de solidão e isso me deixa exausto na maior parte do tempo. Elas nunca param de fazer planos para minha recuperação, estão sempre me levando para exames mais profundos e terapias mais pesadas.

Os médicos disseram que existe uma pequena possibilidade de eu voltar a andar se conseguirem tirar a compressão da minha medula. Para isso, preciso de mais cirurgia. Já foram duas, desde o acidente e já tenho uma terceira marcada para daqui há dez dias. A cada nova cirurgia, mais medicações, mais dores, mais frustrações. Confesso que não queria ter feito nem a segunda. Fiz por insistência da minha mãe e da Selina, minha irmã mais velha. Somos três irmãos. Eu, a Selina e a Milena. Milena é a caçula e temporã. Quando ela nasceu, eu tinha 16 anos e a Selina, 18. Hoje ela tem 22 anos e, apesar de nossa monstruosa diferença de idades, até que nos damos muito bem. Mas não suporto quando ela me olha com esse olhar perdido, sempre secando as lágrimas mal disfarçadas.

A Milena é a mais sentimental de nós três e a que menos sabe esconder seus sentimentos. Por isso, toda vez que sou avaliado para um novo procedimento, foco minha atenção nela. E ela não demonstrou qualquer indicio de entusiasmo com a nova cirurgia. Pelo contrário, chorou, me pediu para pensar bem se queria ou não enfrentar mais essa. E, por fim, disse que continuaria me amando se eu decidisse não fazer a cirurgia. Mas pensei muito e acabei decidindo enfrentar. Pior do que estou, acho que não fico.

                                                                                       ***

Assim que despertei naquele quarto branco esterilizado, meu médico me disse:

― Arthur, a cirurgia foi um sucesso!

Não sei o que significa sucesso para ele, mas acho que temos uma definição muito diferente sobre o significado dessa palavra. Não foi um sucesso. Na verdade, nem passou perto disso. Foi um fiasco.

Antes, eu conseguia sentir levemente meus membros inferiores, controlava minha urina e sabia que podia voltar a andar. Agora, perdi essa esperança de vez. Estou usando fraldas, não sinto absolutamente nada da minha cintura para baixo e a parte superior da minha coluna vertebral tem doído mil vezes mais. Tem horas que quase enlouqueço de dor.

Não sei por quanto tempo mais vou aguentar viver esse pesadelo. Só queria minha vida de volta. Queria voltar a correr todas as manhãs, antes de ir para o escritório de advocacia. Eu amava aquele jeito de começar meu dia: corrida, alongamento, pausa pro desjejum, outro alongamento e mais corrida até meu escritório.

Estava tudo tão perfeito que eu não mudaria nada tão cedo. Achava que tinha todo o tempo do mundo para projetar a minha vida do jeitinho que eu queria. Ia me casar aos quarenta, curtir minha esposa por uns dois ou três anos antes de sermos pais. Queríamos conhecer um monte de lugares diferentes antes de só pensar em fraldas e mamadeiras. Hoje, prestes a completar 38 anos, meus planos foram por água abaixo. Aquele acidente levou até a minha dignidade e eu confesso que preferia ter morrido.

Nosso Infinito (Completo na Amazon)Where stories live. Discover now