Capítulo 70 O protagonista

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Derek havia escolhido para si gnocchi de abóbora em carbonara de carne de sol e alho poró. Buscou abrasileirar um pouco os pratos do bistrô e usar alimentos bem típicos do país, como a carne de sol. 

— Qual o nome do seu prato? — perguntou Lisa. 

O velho com a venda no olho, um dos personagens de Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. 

— Ele tinha o costume de não colocar nomes em seus personagens — lembrou ela. — Posso provar? 

— Tava com saudade de você meter o bedelho na minha comida. 

— Não significa que eu não aprecie o que eu escolho, é que eu gosto de ter opções. 

— Espero que isso não se estenda à sua vida amorosa. Eu não sabia, mas acho que eu sou um pouco ciumento. Quero ser sua única escolha. 

— Nunca imaginei que o descolado e prático Derek ia me falar isso um dia. 

— Estou bem mudado, tinha que ver a minha cara pagando por um urso em uma floricultura. 

— O urso era pra mim? 

— Comprei flores e o urso. No dia em que... — Ele não conseguia continuar a frase. Lembrar-se do dia em que descobrira que Lisa estava em coma era ainda muito difícil e ele suspeitava que sempre seria assim. 

— E você guardou ele? — perguntou Lisa, tentando afastá-lo do pensamento incômodo. Imaginar-se deitada por meses sem ter consciência de nada ao seu redor, principalmente de Derek e de seu desespero, deixava-a entristecida. 

— O urso está na sua loja de livros — respondeu ele. 

— Que pena que deixei a chave do sebo em casa. Caso contrário, poderia pegá-lo, mas obrigada pelo presente. 

— Na verdade, a gente pode entrar lá. O urso tá no seu novo escritório. 

— Novo? Não entendi. 

— Quer a sobremesa agora ou podemos primeiro fazer uma excursão pelo espaço? — perguntou Derek, percebendo que Lisa havia terminado de comer seu pedaço de pato. 

— Acho que a sobremesa pode ficar pra depois. Só não entendi a parte da excursão. 

— Já vai entender, mas, antes, quero te devolver uma coisa — avisou, ao mesmo tempo em que levantava. Dirigiu-se para o fundo do restaurante e, por segundos, sumiu da vista de Lisa. Voltou empurrando a cadeira de rodas automática dela. 

— Minha cadeira! Espera, o que ela tá fazendo aqui no restaurante? 

— Vou confessar que o barulho que essa cadeira fazia quando você apertava os botões de comando me enervava. Era, tipo, muito barulhenta. Por isso, eu pedi pra arrumarem o controle. Devem ter jogado basicamente um litro de óleo nesses eixos, e eu acho que deu certo.

— Não precisava, Derek! Obrigada! — agradeceu. 

— Me ajuda aqui, por favor — pediu ela, afastando-se da mesa. Quando Derek se aproximou, ela o enlaçou pelo pescoço, e ele a içou. De pé, apoiada nele, ela o beijou de forma rápida nos lábios. 

— Você não imagina o quanto eu vislumbrei esse momento... E, agora que tá acontecendo, parece que estou um pouco aéreo, como se assistisse à peça da minha vida sentado na primeira fila e outro alguém fizesse o meu papel — disse ele. 

— Então é melhor você assumir o papel do protagonista, porque, de onde veio esse beijo, tem muito mais. Não vou me contentar com um ator substituto. 

As casas dos 7 escritores (LIVRO COMPLETO!)Onde histórias criam vida. Descubra agora