Dizem que quando você fica por muito tempo no escuro, você se acostuma com a escuridão. Acho que acabei me acostumando com a dor.
| 20/12/2016
Nos últimos dias eu não consegui dormir, Bernardo. Porque há todo momento eu achava que você chegaria, com seu capacete na mão, um cigarro na boca junto a um sorriso.
Eu até cheguei a abrir a porta em alguns momentos para ver se você estava lá. Mas o problema era que você não estava ali, Bernardo. Você não estava em lugar nenhum. Eu cheguei a vasculhar a cidade em uma noite, fui até mesmo na porta da casa da Andressa, mas a sua moto não estava lá. Nessa noite, eu fui ao bar em que você me levou para jogar sinuca e bebi, o grandão que queria bater em você, me viu chorando no canto mais afastado e me levou para casa.
Quando eu cheguei lá minha mãe tinha chamado seu pai e ela estava chorando, Bernardo, ele tinha um olhar preocupado, meu tio e Mateus estavam rodando a cidade atrás de mim.
— Você não pode fazer isso, Ayla! — Minha mãe gritou quando Romenic abriu a minha porta.
— Ela estava chorando no meu bar... Ela já foi uma vez no meu bar, ela não estava muito bem para dirigir — explicou o homem na minha sala.
— Você bebeu? — indagou Laura, com Berenice no colo.
Eu sorri e dei de ombros.
— Obrigada por trazer ela em casa, rapaz! — agradeceu seu pai, Bernardo, oferecendo algumas notas para Romenic que não aceitou.
Quando minha mãe me levava para o quarto, eu escutei Romenic falar:
— Eu vi uma notícia da morte dele, por isso a trouxe aqui, eu cheguei a conhecer Bernardo...
— Eu sou o pai dele. — Rogério falou.
— Sinto muito pela sua perda, Sr — disse ele.
E eu vi quando o olhar de Romenic caiu em mim, que estava apoiada na minha mãe. O olhar dele demonstrava entendimento da dor que eu parecia sentir. Ele balançou a cabeça, acenando para mim. Eu tentei sorrir, mas senti quando lágrimas caíam dos meus olhos.
Quando minha mãe me jogava debaixo do chuveiro com a água gelada, eu quis correr. E quando vi que nos olhos dela tinham lágrimas contidas eu quis saber o porquê. Mais tarde, quando eu estava na cama, embrulhada e de banho tomado, eu escutei uma conversa do lado de fora.
— Não completou uma semana da morte do seu filho e eu tenho medo de perdê-la também. — Minha mãe falou.
— Ela não está lidando com o luto — concordou Mateus.
— E ela poderia? — intrometeu-se Laura. — Ele era o amor da vida dela, e antes de morrer ela o pegou com outra... Ayla recebeu uma traição do único homem que ela chegou a amar, e logo depois ele morreu. O que vocês queriam que ela fizesse?
— Eu não posso ver a minha única filha desse jeito, Laura. Ela não está vivendo. Eu a vejo definhar por essa casa quando não está bebendo ou chorando.
— Ela amava Bernardo, tia. E ele está morto. Ela está destruída, vocês não estavam aqui quando ela chegou toda machucada do assalto que ela sofreu quando ela e Bernardo romperam.
— Ela não conseguia andar — relembrou Mateus.
— E nós fazemos o que? — Escutei meu tio perguntar.
— Nós damos o apoio que Ayla merece, pois é isso que ela faz conosco, e é isso que Bernardo queria que fizéssemos por ela. Os dois se amavam, tia. Eles poderiam ser os novos personagens de Romeu e Julieta, pois as fatalidades estão ligadas a eles, assim como a tragédia.
— Você acha que ela conseguirá seguir adiante um dia? — Meu tio indagou.
— Se ela conseguir deixá-lo ir, sim — respondeu Laura. — E tudo que podemos fazer até lá, é sermos presentes na vida dela.
E quando acordei no outro dia, com uma dor de cabeça infernal, junto ao choro de Berenice, com minha mãe me olhando com carinho, vendo o amor palpável de Laura e Mateus, e ouvindo os comentários sobre gados de corte do meu tio, a única coisa que soube fazer, foi agradecer por estar ali, Bernardo. E onde você estivesse, eu tinha a certeza que você agradeceria por ter apreciado a presença deles, mesmo que por pouco tempo.
. . .
"Está escuro lá fora. E você está lá. Em algum lugar. Eu te deixaria entrar aqui."
Ava Dellaira, carta de amor aos mortos
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O que Restou de Nós
RomanceHá uma música do Ed Sheeran que diz: "amar pode doer, às vezes". Talvez ele tenha composto essa música pensando em nós. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS | Copyright© 2018. PLÁGIO É CRIME. +18