Capítulo IX (Parte IV)

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- Podemos sentar por alguns momentos? – Anahí perguntou ofegante e, sem esperar por permissão, ajoelhou-se ao lado do riacho para banhar com água fria as têmporas, que latejavam violentamente.

- O que há de errado? – ele perguntou, desconfiado.

- Nada. – Ela riu, um riso forçado e nervoso. – É que fui criada na Inglaterra, onde o clima é bem mais frio do que aqui, e ainda não me acostumei com o calor da Grécia. Sente-se ao meu lado – pediu, tentando desesperadamente acalmar as suspeitas do marido. – Conte-me por que gosta tanto deste lugar e por que pediu a Nikos para me ensinar como chegar a este bosque.

Para alívio de Anahí, a figura alta de Alfonso deixou-se cair ao lado dela.

- Vou fazer mais do que isso, vou lhe mostrar! Inspire profundamente. Consegue sentir o cheiro da resina? É por causa dessa resina que as borboletas Quadrina vêm para esse vale, todos os anos. Quanto estão com as asas fechadas, elas têm uma cor marrom-escura, que torna impossível distingui-las dos troncos das árvores, ou das rochas, onde elas costumam pousar. Só quando estão voando é que podemos ver a maravilha inacreditável que são as suas asas. Repare!

O barulho de suas mãos, batendo uma de encontro à outra, ecoou como um tiro de pistola através do bosque silencioso. Na mesma hora, o ar encheu-se do som feito por milhares de asas coloridas, verdadeiras cortinazinhas pretas, marrons, brancas e alaranjadas, que pareciam flutuar por sobre suas cabeças durante alguns momentos, antes de desaparecerem silenciosamente por entre as árvores.

Boquiaberta, Anahí não sabia se tinha imaginado o espetáculo glorioso de uma revoada de borboletas, ou se aquela cena esplendorosa havia mesmo acontecido.

- Que coisa...maravilhosa – disse depois de alguns momentos, consciente de que "maravilhosa" era uma palavra fraca demais para descrever a beleza de uma cena que lhe dera vontade de chorar. – Obrigada por me trazer até aqui. Nunca mais vou me esquecer do que vi! – terminou com voz rouca.

- Eu sei exatamente como você se sentiu – Alfonso murmurou com dificuldade, o rosto endurecido por uma expressão de dor. – Eu me lembro de ter a sensação de estar vendo uma verdadeira maravilha, a última vez que observei essas borboletas. É claro que, então – sua voz tornou-se mais rouca – eu não tinha meios de saber que nunca mais as veria, e que tudo o que me restaria seria uma lembrança. Infelizmente – ele terminou, com uma amargura que a fez estremecer – a memória, como as mulheres, geralmente nos trai.

- Às vezes é uma benção que certas lembranças acabem por desaparecer de nossas memórias, pois, se permanecessem, passaríamos o resto de nossas vidas num estado constante de amargura e tristeza.

Anahí estava pensando apenas nele quando disse isso, preocupada com o cinismo com que Alfonso encarava suas companheiras de sexo e com o mal que essa desconfiança havia causado à personalidade dele. Mas ele chegou logo à conclusão de que Anahí estava falando por si mesma, acusando-o, disfarçadamente, de ser o maior culpado de ela ter essas lembranças infelizes. A raiva que sentiu deu à voz de Alfonso o tom distante e arrogante de um verdadeiro deus grego, quando disse friamente:

- Você não tem razão nenhuma para se queixar. Afinal, chegou a Karios pobre e vai deixá-la como uma divorciada rica.

Anahí soltou uma exclamação abafada, pasma com a crueldade e com a dor que lhe causavam aquelas palavras, principalmente depois dos momentos de harmonia que haviam partilhado. Profundamente agitada, levantou-se de um salto.

- Como você pode ser tão insensível? – perguntou com voz rouca, levando as mãos às têmporas que latejavam. – Você lida com as pessoas como lida com as companhias rivais às suas, atacando-as no momento em que se encontram mais fracas, calculando seu valor pelo que podem lhe dar de lucro, explorando-as ao máximo e jogando-as fora assim que deixam de lhe ser úteis. Não é de admirar que você tenha feito fama pelo mundo dos negócios como um homem capaz de tirar tudo de seus inimigos, até mesmo

a roupa do corpo! E com prazer!

Alfonso levantou-se também e, sem demonstrar o mínimo de arrependimento, garantiu friamente:

- A única pessoa de que quem eu senti prazer em tirar a roupa do corpo é você, meu anjo!

Só um homem cego poderia deixar de se comover com o rubor que coloriu o rosto de Anahí, com os lábios trêmulos e a expressão de sofrimento que surgiu em seus olhos magoados. O único som que se ouvia na clareira era o cascatear das águas do riacho por sobre as pedras que cobriam o seu leito, acompanhado pelo zumbido de uma abelha que acabava de aparecer. Com o coração batendo apressado, Anahí lutou para não se esquecer de que a crueldade de Alfonso era causada pela frustração que ele sentia por não poder ver, e que aquela explosão de temperamento não passava de uma válvula de escape, devendo ser logo perdoada.

No entanto, achou incrivelmente difícil responder com delicadeza.

- Parece que você está decidido a me humilhar, Alfonso. Está sempre me tratando como se eu fosse uma substituta para a noiva que o abandonou, e para a tia que foi tão má para você, além de todas as mulheres que tentaram se aproveitar de sua cegueira. Por favor, não se esqueça de que sou sua esposa e não uma substituta de Belinda.

- Não?! – Sua ironia fria atingiu Anahí como uma chicotada. – Desculpe-me, mas pensei que sua irmã a tivesse mandado para cá exatamente para isso. – Sua voz mais parecia um rosnado, cheio de ressentimento. – Ser cego já é ruim o bastante, para ainda ter que enfrentar o desespero de uma situação como essa! E Belinda poderia ter me livrado disso, se tivesse vindo pessoalmente.

A Substituta (Adaptada)Where stories live. Discover now