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- Ué acabou a bebida? - Tubarão questionou o babá, ao vê-lo entrando na sala com as mãos abanando.

Ben seguiu até a televisão e a desligou, sem nenhum aviso prévio.

- Não senhor, o que acabou foi a minha paciência, minha paciência com os dois babacões, e o que vai acabar agora é essa palhaçada toda aqui. Pelo o que é mesmo que vocês estão me tomando? Como o otário do ano? Ah não, segundo as redes sociais esse papel já é seu, não é mesmo Tubarão? Estou vendo que sobrou pra mim na historinha de vocês foi a putinha serviçal.
- Ihhhh, vai dar piti- Falou Thomaz prevendo o esculacho.
- Calma Ben, isso era zueira nossa, sem contar que estamos já meio chapados. Vai descansar, deixa que eu pego a cerveja no freezer.
- Calem a boca vocês dois- Ben gritou deixando tanto Tubarão como Thomaz de boca aberta.
- Tá vendo Tubarão, é isso que estou falando, o viado tá te dando ordem, tá gritando contigo na tua casa, isso é excesso de confiança, é liberdade demais. Agora é a hora de você colocar os limites. Não tô acreditando que tu vai continuar deixando ele fazer isso.

Tubarão encarou Benício, e viu sangue nos olhos do rapaz, sabia que uma reação autoritária naquele momento magoaria ainda mais o babá, então resolveu não entrar em conflito.

- Fica quieto Thomaz, deixa o cara agora- Falou tentando apaziguar a situação.
- Fica quieto Thomaz? - Ben questionou a fala do chefe- Fica quieto você Alex, já que você não tem culhão pra botar em prática essa marra toda que vive gabando aos quatro cantos, vai ouvir agora algumas verdades. Quer saber? Você é um grande babaca, sabia? Uma decepção, uma fraude, um falso. O que é você? Quem você pensa que é pra me chamar de serviçal submissa, empregadinha, putinha? Que merdas mais você tem pra falar de mim? Mas fala na minha cara dessa vez.
- Acho melhor você se acalmar, já disse que isso era tudo zueira, fica na sua- Tubarão tentou controlar a situação complicada a sua frente, não queria parecer estar sendo mandado dentro da própria casa, mas também não queria estragar mais ainda a sua relação com o babá.
- Senta aí agora porra- Ben deu o ultimato ao ver o chefe se levantando do sofá. O policial visivelmente constrangido acatou a ordem.
- Vou fazer o que está pedindo, mas isso que você está fazendo não está certo também. É melhor pararmos aqui.
- Ou o que? Vai me bater, me porrar até me matar? Pra ver se eu me torno mais homem? Ou melhor, pra ver se você se torna mais homem? Digo e repito Alex, você é uma fraude. Saibam os dois que eu sou muito mais homem que vocês dois juntos. Muito mais homem que um babaca que ostenta um anel de noivado com uma menina super incrível, e fala de outras mulheres como objetos ou materiais descartáveis, você é tão menos homem que eu, que sequer sabe o que é uma mulher caro Thomaz, aparentemente tá mais acostumado com bonecas infláveis alimentando esse teu ego de pseudo machão, porque mulher nenhuma conseguirá ficar cinco minutos ouvindo um cara tão merda feito você. Fique ciente que a Tereza vai saber dos tais contatinhos que o senhor tem seu desgraçado.
Quanto ao senhor, o que falar de você Tubarão? Um beberrão beirando os quarenta, que sequer sabe o que busca da vida.
- Qual foi Benício? Já disse que já chega- Tubarão tentava de todas as formas controlar o princípio de incêndio que ele mesmo tinha criado.
- Age feito um adolescente pra conseguir o que quer, um adolescente mimado, que não sabe ser contrariado, que esqueceu de crescer e responsabiliza todos a sua volta pelo fracasso de homem que você é. Porque sim Tubarão Falconi, o que você ostenta fisicamente está muito distante daquilo que você é de verdade. Vive tentando colocar medo nos outros só pelo tamanho, mas você é um grande mulecote. É isso, você é um menino, que se esconde atrás dos problemas e não resolve sua vida. Eu juro que tentei procurar as suas virtudes, mas hoje eu vejo que se existe alguma em você, ela é completamente destruída quando o seu peito se estufa vestindo esse personagem autodestrutivo.
O problema de vocês é com os gays? Pois saibam que eu não escolhi ser um, não acordei um dia e olhei pro espelho e pensei, nossa como você está gay hoje. Eu sou assim, e querem saber, eu não me sinto nenhum pouco mal ou culpado por isso, porque entendo a minha condição como algo natural, eu nasci assim, e só tenho motivos para me orgulhar disso, porque diferente do que vocês pensam a aceitação da minha condição me libertou para ser o que eu nasci pra ser, feliz. Amo ser assim, porque mesmo tendo que conviver com merdas homofóbicas como vocês eu posso dizer que sou feliz. Porque eu vivo o que sou, não fico preso num armário, não sou um frustrado sexual, não preciso ficar ferindo ninguém para me sentir mais homem. Cara como vocês são otários- Benício falava descontroladamente, não dando a oportunidade de resposta aos demais, falava enfaticamente fazendo com que cada uma das suas palavras fosse perfeitamente compreendida. Sua mente fervilhava, seu raciocínio era agressivo, tinha uma missão naquele momento, e seria o porta voz de muitos.
- Ben, relaxa porra, era só brincadeira, tu não acha mesmo que eu penso isso de você, né? tu é meu parceirão- Tubarão ainda tentava contornar a história, um exercício em vão.
- Acontece senhor, que essa brincadeira de vocês mata gente todos os dias.
- Começou a vitimização- Thomaz provocou.
- Esse discurso de ódio faz com que o sonho de vários meninos e meninas sejam enterrados junto de seus corpos mutilados. Vocês sabem quantos se matam ainda na adolescência só pelo medo de contar aos pais que são homossexuais? Ou por medo de não seguir os preceitos de determinada doutrina religiosa? Um número muito significativo de pessoas incríveis que poderiam fazer desse mundo muito melhor. É claro que não segundo a ótica de vocês, a de que deveríamos ser colocados  num campo de concentração, entregues a nossa própria sorte, para sermos estudados e tratados. Sabe por que eles cometem suicídio? Porque os familiares, aqueles que deveriam estar mais próximos, os ajudando, "brincam" dizendo que se tivessem um filho assim, morreriam de desgosto, ou os matariam de porrada não é mesmo meu amigo policial. Brincadeira bacana essa né?
Vocês sabem quantos são mortos nas ruas ainda hoje por conta de puro preconceito? Muitos, porque doentes como vocês, "brincam" com o direito de ir e vir dos outros, nos responsabilizando pelos seus próprios males. Vocês sabem quantos casamentos são fadados ao fracasso simplesmente porque caras são obrigados a casar para cumprir o protocolo? Muitos, porque a sociedade "brinca" impondo que precisam ser machões, bons metedores, fazedores de muitos filhos, não se importando que o cara vai destruir a vida de um inocente, a vida de vários inocentes, porque esses mesmos caras serão tão infelizmente reprimindo os seus desejos mais primários, que farão da vida de todos ao seu redor um verdadeiro inferno.
- Você sabe quantos morrem de HIV? - Provocou Thomaz.
- Cala essa boca que eu estou falando porra- Ben gritou de uma forma que poderia ser escutada até mesmo nas ruas, Thomaz, não conseguiu esconder o constrangimento após tudo aquilo, procurou novamente em Tubarão uma atitude, mas o homem encarava Benício suplicando que parasse- Muitos morrem de todos os jeitos nesse pais, morrem pela pobreza, pela fome, pela violência, e sim por doenças como a AIDS que não são exclusividade de homossexuais meu querido. Mas estou falando aqui de uma outra doença, que existe em pessoas aparentemente saudáveis, que se manifesta muitas vezes de forma silenciosa, ou através das brincadeiras, através das piadas, através do clamor de uma geração inútil que busca se legitimar através da crueldade e do discurso de ódio ao próximo, estou falando de homofobia, doença essa que vocês praticam, porque são burros, ignorantes e não sabem aceitar aquilo que é diferente. Doença essa que também é crime, sim vocês com essa brincadeira de agora, praticaram um delito gravíssimo e
me espanta muito o fato de um policial e um esportista, pessoas que são referências para nossas crianças e adolescentes, não ter um pingo de responsabilidade social ao expor opiniões tão perversas quanto a outra pessoa.
- Agora não temos liberdade de expressão nessa porra? - Thomaz ainda tentava agredir ao babá de alguma forma, mas Benício não estava para brincadeira.
- Não quando a sua liberdade de expressão afeta a minha vida, e a vida de outras tantas pessoas, não quando a sua liberdade interfere nos meus direitos e deveres, não quando você comete um crime contra a vida de alguém. Ei Alex, ei Thomaz, eu não sou sua puta, não sou seu viado, não sou sua serviçal, não sou a empregadinha de ninguém, não brinquem comigo, não brinquem com meu corpo, não brinquem conosco, não brinquem com ninguém. Chega de utilizar os nossos corpos, a nossa intimidade como motivo de chacota nas rodinhas de conversa de vocês. Chega de reproduzir maldade, de nos humilhar fingindo estar brincando. Não somos sensíveis, não somos os frescos que vocês pensam, e quer saber, pode juntar um, dois, mil, um milhão, mas não vão nos derrubar, muito pelo contrário, estejam prontos para ser tombados, porque somos muitos, e não vamos nos trancar no armário nunca mais. Não vamos nos amedrontar ao primeiro grito dos machões aí, vocês não nos metem medo, a porrada vai estancar e estejam prontos pra apanhar. Eu tenho nojo do que ouvi aqui, nojo do que vomitaram nesse tapete. Bebam do seu próprio vômito e sintam o gosto podre que sai de suas bocas quando estão "brincando".
- Benício por favor cara, eu já tô ficando com vergonha aqui, juro que não tinha a intenção de te ofender- Tubarão tentava de todas as formas se redimir,
- Mas me ofendeu, me feriu, me humilhou. Invadiu minha intimidade, debochou dos meus pais mortos. Pais esses que sempre souberam o que eu sou, que me mostraram o caminho, que me amaram sem se importar com nada.
- Ben, você não precisa se justificar pra nós, eu tô reconhecendo aqui que fomos uns otários contigo, fica tranquilo cara, descansa.
- Tubarão, tô indo nessa, acho que o nosso programinha de sábado a noite já deu né? - Thomaz de fato, não sentia clima para seguir ali- Aí Benício foi mal aí, a intenção não era te deixar assim. Fica triste não, como o Tubarão falou é tudo brincadeira nossa, não leva pro seu coração, valeu mano- Thomaz apertou a mão do chefe e se direcionou até a saída da casa, se sentia aliviado, as palavras de Benício doeram mais forte do que todas as porradas que tomava diariamente nos treinos, sabia que tinha ido longe demais com a tal brincadeira, mas não se arrependia, aquilo foi algo necessário, premeditado, com um único objetivo.

QUERIDO BABÁ (ROMANCE GAY)Where stories live. Discover now