4-No qual eu arranjo um rastreador orgânico

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Estávamos todos reunidos na sala. Eu estava tão ciente de como não conseguia evitar minhas caretas exageradas de ódio que comecei a passar cremes no rosto, pra evitar rugas. Ainda assim não conseguia parar de bater com impaciência o pé no chão, de pernas cruzadas e sentada na cadeira de madeira como se fosse um trono. A elegância está mais na pessoa do que no ambiente, afinal, e eu queria intimidar o tolo amarrado numa cadeira no centro da sala. Me dei o trabalho de pelo menos enrolá-lo em alguns lençóis pra que não ficasse sem roupa amarrado e fizesse me parecer estar fazendo algo estranho.


Peter estava no canto sentado numa cama, comendo frutas silvestres que Lucius trouxera pra consolá-lo depois da cena violenta. Não era comum ele se sentir ameaçado com o que eu faço pros outros, mas acho que eu também não iria querer ficar por perto de alguém que chutasse os peitos de uma mulher.


De qualquer forma, eu conversaria com ele sobre isso depois, assim como sobre Lucius, que estava acariciando os cabelos do meu pirralho... Pirralho, você não sabe desconfiar de boa vontade em excesso? Pirralho...


Mesmo que alguém me dissesse que esse era um gesto carinhoso comum e que eu também acariciava os cabelos de Peter e lhe dava coisas tentando fazê-lo feliz... Eu cuido dele, então eu posso.


E essa nem era minha maior preocupação no momento.


- Então você está dizendo que nem sempre foi um lobisomem, mas foi amaldiçoado pra se transformar em um? - eu interroguei, enquanto tateava os pés de galinha no olho esquerdo. Devo dizer que eu ficaria com medo de mim mesma se eu não fosse eu. Além dessa beleza de espantar, conheço bem minha cara de quem quer arrancar os ossos do corpo de alguém. Eu entendo que sempre cause uma emoção forte nas pessoas, afinal é minha cara mais cuti cuti.


- Foi isso que você absorveu da triste história sobre meu passado trágico que eu passei o tempo de metade de uma vela contando? - ele choramingou.


- Olha, não sei como você não percebeu, mas eu não poderia me importar menos com o que você sente depois do que fez. - eu massageei a ponte do meu nariz, encontrando conforto apenas na cara magoada que ele fez, com direito a biquinho. "Que molenga, eu ainda estou sendo legal", pensei.


A pior parte era que por mais que eu fosse rude, isso só ajudava ele. Por mais que eu estivesse plantando bananeira pra o passado trágico do fulano, entrou nos meus ouvidos que ele se transforma sempre que não está sendo tomado por sentimentos intensos. Alguma coisa a ver com ele ter sido um insensível ridículo no passado e decidido ser frio com um bruxo que não levou isso numa boa, jogando uma maldição para que esse incômodo aprendesse a lição. E, exatamente como eu faria, meu colega das mágicas nunca disse como ele poderia quebrar o feitiço. Eu apenas lamentava que tivessem amaldiçoado ele logo pra virar lobisomem, é um mal gosto muito grande aumentar a quantidade deles no mundo.


Me servia de consolo que quanto mais eu xingasse e mais deprimido ele ficasse, menos chances de eu ter que olhar pra um.


E o que eu pensei do tal passado triste? Claro que "bem feito, tomou...", digo... Eu sou muito bondosa ajudando ele a se manter humano depois de tudo o que ele fez, não é? Com certeza caridade, você vê por aqui. Se eu pular em cima dele pra meter paulada, é solidariedade e amor ao próximo, ok?


- Eu não tive culpa, foi parte dessa maldição terrível... - Ele se encolheu. - Não é fomo se eu gostasse de agir irracionalmente e comer animais... animais...


Ele franziu as sobrancelhas e espremeu os lábios, como se quisesse vomitar.


- Eric, não é? - Peter entrou na conversa, seus olhos desfocados. - Você disse que estava procurando por alguém com conhecimento de mágica que pudesse desfazer o feitiço. Como nos achou?

Eu avisei que não sabia cuidar de criançaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora