5- No qual eu acho que sou um ímã pra esquisitos

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Não que eu não soubesse. Que meu sangue podia ter o cheiro do dele, digo. Mas isso só me fez sentir mais estúpida. Estava debaixo do meu nariz o tempo todo... Não, por todo o meu corpo o tempo todo... Mas nunca pensei em achar ele usando isso. Não ajudava que eu tivesse descoberto batendo meu queixo no chão por causa de um presente dele. Era como se a peste estivesse zombando de mim.
No meio da gritaria que Eric recomeçou, Peter foi o primeiro a reagir:
- Como assim? - ele ficou olhando de mim pra o lobisomem, confuso. Por alguns instantes pareceu procurar algo nos meus olhos, mas por fim se virou e disse: Explique-se!
A essa altura, o lobisomem parecia estar passando mal de tanto gritar. E se quer saber, eu não estava passando bem também de tanto ouvir. "Será que se a gente esperar mais um pouco, ele morre?", pensei. Mas ele só ficou com dor na garganta mesmo e se acalmou, sem muita escolha.
- ...O sangue dela, tem o cheiro dele... Ele, que me fez obrigado a estar instável emocionalmente por cada segundo restante da minha vida... Você é só um disfarce, não é?! - ele gritou pra mim.
- Não seja burro. - retruquei, voltando pra cadeira, carregando Peter comigo, com intenção de lhe pôr no colo e acariciar os cabelos. O albino protestou, começando a dizer que eu precisava tratar minha ferida, mas se deu conta que isso não era necessário. - Meu sangue não deve ter só o cheiro dele, não é? Isso é por que eu sou uma pessoa diferente, que só acontece de ter uma ligação dessas.
- Ligação? O que vocês são um do outro? - Eric perguntou, incrédulo, e creio que relutante de admitir que eu estava certa.
- E eu tinha falado pra não ser burro... - suspirei. Não me senti muito obrigada a explicar, até porque, era complicado. O que eu deveria dizer? "Ah, ele me fez beber o sangue dele quando eu era pequena"? É, isso até que servia, então foi o que eu disse.
Foi a vez de Peter olhar pra mim com aqueles grandes olhos vermelhos esbugalhados. Até Lucius perdeu a concentração e começou a afundar lentamente na cama. Fantasmas precisam de habilidade e concentração pra interagir com o ambiente físico, e eu duvidava que esse de repente tivesse ficado inexperiente.
- O quê? Você também é vítima dele...? - O lobisomem se encolheu na cadeira, como se em seus olhos eu tivesse ficado muito mais simpatizável.
- Ao contrário de certas pessoas, não gosto de espalhar histórias tristes do meu passado trágico. - eu dei de ombros, com um sorriso irônico.
- Ora... Ei! - Eric foi inteligente ao menos a ponto de perceber a indireta.
- Bell... Isso é sério? - Peter franziu as sobrancelhas pra mim. Lhe ofereci um sorriso sem graça e afaguei seus cabelos. Ele parecia querer me perguntar um monte de coisas, mas como se decidindo que não era o melhor momento, se resignou a ficar quieto no meu colo. Sua cara não conseguiu ficar muito indiferente, no entanto.
- Eu não vou explicar os detalhes. - disse, olhando para o lobisomem, mas podia muito bem servir para Peter, se ele tivesse notado em vez de se ocupar em silenciosamente fazer birra. - Porque são memórias complicadas pra mim... Mas eu tenho meus motivos pra querer encontrá-lo.
- Legal... Então você poderia, tipo, não me matar? - O homem amarrado perguntou, carregando esperança e hesitação na voz. Eu esperava que a cara de saco cheio dele fosse impressão minha.
- Se você puder achar ele pelo meu sangue? Claro.
- Eu posso, eu posso! - Ele assentiu com tanta força que eu pensei que a cabeça dele poderia soltar. Senti que ele tinha aprendido a lição depois do "Não sei".
Eu ainda estava pouco crente nessa chance, mas eu precisava dele se ele podia comparar o cheiro no meu sangue com o dessa pessoa, que nem um cão farejador... "Mas espera aí..."
- Ei, como você conhece o cheiro do sangue dele?! - Franzi as sobrancelhas. Se não fosse por Peter no meu colo, eu teria corrido pra cima dele. - O que aconteceu, ele se machucou? Foi grave...?
- Bruxa... Pra alguém que foi forçada a algo repugnante, você não soa muito preocupada com esse cara...?
Eric pareceu desconfiado. Talvez ele estivesse pensando que como alguém que ameaçou matar ele várias vezes, eu não era lá muito melhor que quem lhe amaldiçoou. E isso era uma absurdo, como pode um lobisomem qualquer acertar na lata algo sobre minha pessoa?
- Ah, vá cuidar da sua vida. - Resmunguei. E então me dei conta que ao ficar receoso comigo, isso era exatamente o que ele estava tentando fazer. - Que tal isso: Você me conta tudo o que sabe sobre ele e me ajuda a encontrá-lo, e eu reverto sua maldição.
Eric me olhou de canto. Talvez ele parecesse mais sério se não estivesse enrolado em lençóis e amarrado numa cadeira.
- E eu tenho escolha? - Ele lamentou. Eu nem precisava olhar por muito tempo nos olhos dele pra ver que ele não estava satisfeito de ter sua maldição quebrada à custa de reencontrar quem lhe deu esse presente destruidor de vidas, mas não queria morrer. Eu não entendia. Por que pra ele viver em sofrimento era melhor que acabar com isso de uma vez por todas?
Olhei pra Peter, e tive a impressão que entendi. Se você está vivo, as coisas podem melhorar. É um risco: você pode ser mais infeliz ou feliz. Mas para alguém com esperança e seguindo em frente, era melhor que parar, sem chance de fazer mais nada. De ajeitar as coisas. De reencontrar alguém importante.
- Bell? - Quando voltei pra mim, Peter estava me olhando de volta.
- Hm? - Sorri pra ele de leve.
Ele me analisou por um momento e puxou minha orelha.
- Ai! Aaaaai! Larga! Eu não te criei assim! - Me debati, tentando afastar os braços dele, mas Peter conseguiu pegar minha outra orelha. Foi uma luta difícil até eu encontrar olhos com Lucius e jogar Peter pra ele. O fantasma entendeu rápido, e em alguns instantes meus pirralho estava em segurança nos braços dele. Em condições normais, eu sentiria vontade de pegar de volta, mas na hora eu só conseguia pensar "toma que é teu".
Me virei pra Eric e ajeitei o cabelo.
- Beeell! - Ouvi Peter gritar, mas olhei pros lados como se nunca tivesse visto uma Bell na vida.
- Então, está contratado. - Eu disse, ignorando meu albino, e assobiei. As cordas se soltaram seguindo meus comandos, deixando o lobisomem apenas enrolado nos lençóis.
- Contratado...? - Ele ecoou.
- Sim, sim. Isso ou você faz o que eu quero hipnotizado, mas esse método é cansativo pra nós dois. Sabe como é, se a sua alma passar muito tempo fora do corpo, ela pode ser roubada, e... - Eu vi ele olhando pra mim horrorizado. - Bem, deixa isso pra lá. Te ameaçar também não é legal, porque eu realmente posso cumprir as a ameaças uma hora... Então eba, todo mundo ganha com o plano "c" de contrato, não acha?
Enquanto eu falava isso, ia estalando os dedos e dando comandos pras coisas ao meu redor. A tesoura e as agulhas já estavam trabalhando junto das linhas. Rabisquei qualquer coisa que me veio à cabeça pra que elas colocassem em prática. Não senti que precisava caprichar, então...
- ...E o que você... está fazendo? - Ele perguntou, olhando pras coisas se movendo, em choque. Peguei um frasco de dentro de uma bolsa minha que estava por perto e joguei em sua boca. Ele engasgou imediatamente, mas eu acertei o alvo. Depois de tirar da boca com sucesso, ele olhou pro objeto e então pra mim, com indignação. - Coff... O que é... Coff coff... Isso?
- Intensificador de tristeza. É um protótipo e o que tenho por enquanto, mas não se preocupe, o efeito é temporário. É o seu pagamento pra ir e caçar mais almoço. - eu dei um sorriso brilhante, achando que seria muito divertido ter uma nova cobaia e me aproveitar dela.
- Por que eu preciso de um intensificador de tristeza? Não acha que minha vida já é triste o suficiente? E caçar...
- E eu tinha falado pra não ser burro! - Suspirei. - Você precisa d emoções intensas, certo? É pra te manter humano.
Antes que ele abrisse a boca e encontrasse espaço entre a tosse pra falar, adicionei: - Vá depois que a roupa estiver pronta, se achar melhor.
É claro que ele achou melhor. Ficou quieto na cadeira, olhando pro vidro.
Eu me virei pra preparar a cozinha, mas antes dei uma olhada pro lado que joguei Peter. Lucius estava com ele no colo, como se fosse um irmão mais velho carregando um bebê mais novo. Se bem que Peter tinha oito anos e já devia pesar pra um humano normal que o carregasse.
...Parando pra pensar, ninguém aqui era um humano normal. Lucius, sendo já tão habilidoso em controlar sua forma fantasma, nem surpreendia em conseguir ter força maior que seu corpo humano teria.
E eu... Nossa, fiquei com vontade de colocar Peter no colo... Mas bem, eu podia fazer cada coisa estranha que esquecia o que era normal ou não. Eric também era um ex-humano normal, e agora eu estava querendo transformar Peter em parte desse grupo sem volta. Talvez eu devesse refletir mais sobre isso... Sim, eu queria ver ele fofo pra sempre, mas ver ele crescer seria emocionante.
...Ah, bem, acho que ainda falta tempo pro aniversário de catorze anos, em que ele ficaria combinando com Lucius. Por enquanto, acho melhor me preocupar com a festa de aniversário se aproximando. Mesmo que minha cabeça não parasse de rodar partes desse dia cheio...
Eu esperava que a minha sensação de que os dias seguintes não fossem melhores acabasse sendo apenas uma impressão minha.

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⏰ Last updated: Jul 31, 2018 ⏰

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Eu avisei que não sabia cuidar de criançaWhere stories live. Discover now