Dia um: Pierrot

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Mais uma vez chegava a semana mais esperada pelos moradores daquele lugar, o aniversário da cidade. A grande comemoração que atraia muitos turistas consistia em dez dias de pura festa nas ruas enfeitadas e coloridas, cada dia com uma atração diferente no pequeno anfiteatro construído anos atrás pelo ex-prefeito, que agora era o governador do estado.

Naquele dia em especial, o primeiro dia da comemoração, a cidade contava com uma grande abertura para o evento, onde os palhaços chamavam todos da cidade para a rua, os guiando em direção ao lugar onde aconteceria o show com a verdadeira estrela do dia, provavelmente algum artista pop nacional renomado.

E era no meio daquelas pessoas que Keith Kogane se encontrava, seguindo na frente, com alguns seguranças disfarçados ao redor, junto ao pai e o irmão.

O garoto sorria forçadamente para as pessoas, tentando parecer simpático, mas se sentindo ridículo com todo aquele teatro, pensando que era algo desnecessário a àquela altura do campeonato. Todos ali sabiam bem como ele era, mas seu pai acreditava que era necessário, era melhor obedecer para ter paz depois.

Seu pai – agora governador – Zarkon, ao seu lado, seguia com a expressão fechada e com a mão no ombro de Shiro – seu irmão mais velho – praticamente o exibindo como troféu e atraindo mais atenção que os artistas de rua para a família. Isso porque Shiro havia se tornado um herói ao salvar várias crianças de um desabamento e, por seu ato heroico, acabou perdendo um dos braços, que se tornou irrecuperável ao ser atingido e esmagado por destroços.

Keith tinha certa pena do irmão, que sorria verdadeiramente para as pessoas – bem mais carismático que ele – mas visivelmente incomodado pela atenção que recebia. Zarkon obviamente não se importava com o incomodo do filho, Shiro ser um herói eram pontos e votos a mais nas urnas, então ele seria sim exibido, ainda mais próximos das eleições como estavam.

E claro, juntando toda a situação, era obvio que a pressão de Zarkon sobre o filho mais novo havia aumentado, afinal, Keith deveria fazer algo tão grande quanto Shiro ou ao menos ser um dos favoritos para as eleições quando tivesse idade para concorrer e ser um candidato viável. Mas depois de tantos anos, Keith não se forçava a agradar o pai um passo sequer a mais que não causando problemas e a carreira política não era nem um pouco de seu interesse. Não que seu pai se importasse se ele queria ou não seguir seus passos, já havia decidido aquilo no dia que assinou os papais de adoção do garoto.

Na rua a frente deles, a comitiva fazia uma das muitas paradas que fariam até que chegassem finalmente no anfiteatro.

Se encontravam agora na praça principal, a maior delas, um lugar redondo e amplo, cheio de bancos de madeira e um enorme jardim gramado que faziam desenhos em espirais utilizando flores de diversas cores, cuja beleza podia ser apreciada principalmente de cima dos prédios comerciais que rodeavam a praça e, que naquele momento, estavam abarrotados de pessoas que assistiam a performance a parte – feita pelos palhaços a cada parada – das janelas.

Era apenas uma gracinha, algo rápido e que desse tempo para as pessoas se aglomerarem, vindas de diversos outros pontos da cidade, mas para Keith, eram os momentos que mais gostava.

Os palhaços dançavam e faziam graça para a plateia mais próxima que circulava a praça, distribuindo sorrisos alegres em seus rostos ou mascaras. As pessoas ao redor se divertiam com os pintados e coloridos pierrôs, os homens aplaudiam e gargalhavam com vontade, as mulheres os olhavam com admiração e alegria, tentando segurar os próprios filhos para que não fossem até os artistas, os forçando a se contentarem apenas em rir das gracinhas.

Mas em meio a tantas piruetas, tombos, teatrinhos bobos e cores, os olhos de Keith tinham o foco fixo no centro da rodinha, onde um deles chamava mais a atenção, se apresentando sobre a carroceria do caminhão que ia à frente de toda a procissão, deixando clara a posição de palhaço principal e acrobata profissional que era. O garoto de traços coreanos cruzou os braços sorrindo sem sequer perceber ao assistir ao show que acontecia sobre o automóvel, show este que se diferenciava gritantemente dos que aconteciam no chão pela qualidade.

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