Capítulo 28

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Era.

Uma simples palavrinha que fez a Bia relaxar nos braços do Lourenço e confirmou suas suspeitas. Ele sempre falava das irmãs, nunca dos pais.

— O que aconteceu? — ela interrompeu o silêncio que se prolongou por vários segundos. Ele abriu a porta, sinal de que não ia se importar se ela entrasse para explorar.

— Ela e o meu pai morreram quando eu tinha dezesseis anos. Um bêbado entrou na contramão e bateu de frente no carro do meu pai — ele explicou, e o fato do Lourenço não ter deixado que ela dirigisse bêbada naquela primeira noite tomou novas, e maiores, proporções. — A Mariana era pouco mais velha que você quando precisou largar tudo pra cuidar de um adolescente rebelde e da irmãzinha de 13 anos.

A falta de emoção na voz dele foi o que entregou que aquele era um assunto que ele evitava ao máximo. No pouco tempo em que estavam juntos, a Bia já tinha aprendido que se trancar dentro dele mesmo era uma defesa para esconder a vulnerabilidade. Não existia nenhuma palavra que pudesse aliviar um sofrimento filho da puta do caralho daqueles e ela ofereceu o único conforto que pôde, devolvendo o abraço com a mesma força.

— Vocês não têm outros parentes? — Ela tentou sentar, mas ele a apertou contra ele. Fosse porque ele queria o abraço, ou porque era mais fácil falar sem seus olhos grudados nele, ela respeitou e não insistiu.

— O nosso único parente vivo é um irmão da minha mãe, que mora em Porto Alegre, mas quando a Mari ligou pra dar a notícia, ele não se comoveu. Ele e a minha mãe não tinham quase contato nenhum depois que ela veio pro Rio, e ele nem conhecia a gente. Eu não culpo o cara por não querer nada com três sobrinhos que ele nunca viu na vida.

A Bia mordeu os lábios e segurou a crítica. Ela não conseguia se imaginar negando ajuda aos filhos do Fred, não interessa as circunstâncias que a vida jogasse entre eles.

— A Mari largou a faculdade pra trabalhar. Eu e a Alexa estudávamos numa escola particular muito boa e depois do acidente, a diretora deu bolsa de estudos integral pra nós. Eu consegui terminar o ensino médio, mas faculdade nem nos meus sonhos e fui dar meus pulos pra ajudar. Hoje, a Mari tem um emprego legal e, comigo ajudando, tá mais tranquilo. E é por isso que a Alexa pode esquecer essa parada de ser modelo, ela vai entrar na faculdade e se formar. Pelo menos um de nós três vai ter um diploma, como a mamãe sempre quis.

A voz dele se suavizou ao mencionar a mãe.

— Me fala dela? — A Bia passou a mão pela tatuagem, e mesmo sem ver, sentiu que ele sorria.

— O meu pai era militar, e não é que ele era um mau pai, ele só era muito frio e cheio de regras e exigente, mais ainda comigo. Tudo o que a gente não tinha dele, a mamãe dava multiplicado por mil. — A mão dele cobriu a sua sobre a tatuagem. — Ela era a pessoa mais doce e paciente que eu conheci. Às vezes, esse seu jeitinho delicado de falar, me lembra dela. — Ele deu um beijo demorado na testa da Bia. — Eu sempre dei um trabalho fudido pra todo mundo. Eu era chato e mimado e piorei na adolescência. Eu ficava mais na rua que em casa e só queria saber de festa, mas a mamãe nunca chamava a minha atenção com raiva. Ela sempre vinha conversar com um sorriso no rosto e tentava me entender e me ajudar. Isso me fazia me sentir pior do que se ela me xingasse ou me desse uma surra. Eu não sei te explicar como é horrível saber que eu fui um filho de merda quando ela foi a melhor mãe que eu podia querer.

A falta de emoção do início tinha dado lugar à tristeza, saudade e arrependimento que envolveram as palavras dele. Os olhos da Bia se encheram de lágrimas ao tentar se imaginar na mesma situação. O aperto no peito foi tão esmagador que ela perdeu o fôlego e desistiu, fazendo uma pequena prece de agradecimento pelos pais que iam estar em casa na hora que ela chegasse.

Mau Amor [Concluído]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora