Era.
Uma simples palavrinha que fez a Bia relaxar nos braços do Lourenço e confirmou suas suspeitas. Ele sempre falava das irmãs, nunca dos pais.
— O que aconteceu? — ela interrompeu o silêncio que se prolongou por vários segundos. Ele abriu a porta, sinal de que não ia se importar se ela entrasse para explorar.
— Ela e o meu pai morreram quando eu tinha dezesseis anos. Um bêbado entrou na contramão e bateu de frente no carro do meu pai — ele explicou, e o fato do Lourenço não ter deixado que ela dirigisse bêbada naquela primeira noite tomou novas, e maiores, proporções. — A Mariana era pouco mais velha que você quando precisou largar tudo pra cuidar de um adolescente rebelde e da irmãzinha de 13 anos.
A falta de emoção na voz dele foi o que entregou que aquele era um assunto que ele evitava ao máximo. No pouco tempo em que estavam juntos, a Bia já tinha aprendido que se trancar dentro dele mesmo era uma defesa para esconder a vulnerabilidade. Não existia nenhuma palavra que pudesse aliviar um sofrimento filho da puta do caralho daqueles e ela ofereceu o único conforto que pôde, devolvendo o abraço com a mesma força.
— Vocês não têm outros parentes? — Ela tentou sentar, mas ele a apertou contra ele. Fosse porque ele queria o abraço, ou porque era mais fácil falar sem seus olhos grudados nele, ela respeitou e não insistiu.
— O nosso único parente vivo é um irmão da minha mãe, que mora em Porto Alegre, mas quando a Mari ligou pra dar a notícia, ele não se comoveu. Ele e a minha mãe não tinham quase contato nenhum depois que ela veio pro Rio, e ele nem conhecia a gente. Eu não culpo o cara por não querer nada com três sobrinhos que ele nunca viu na vida.
A Bia mordeu os lábios e segurou a crítica. Ela não conseguia se imaginar negando ajuda aos filhos do Fred, não interessa as circunstâncias que a vida jogasse entre eles.
— A Mari largou a faculdade pra trabalhar. Eu e a Alexa estudávamos numa escola particular muito boa e depois do acidente, a diretora deu bolsa de estudos integral pra nós. Eu consegui terminar o ensino médio, mas faculdade nem nos meus sonhos e fui dar meus pulos pra ajudar. Hoje, a Mari tem um emprego legal e, comigo ajudando, tá mais tranquilo. E é por isso que a Alexa pode esquecer essa parada de ser modelo, ela vai entrar na faculdade e se formar. Pelo menos um de nós três vai ter um diploma, como a mamãe sempre quis.
A voz dele se suavizou ao mencionar a mãe.
— Me fala dela? — A Bia passou a mão pela tatuagem, e mesmo sem ver, sentiu que ele sorria.
— O meu pai era militar, e não é que ele era um mau pai, ele só era muito frio e cheio de regras e exigente, mais ainda comigo. Tudo o que a gente não tinha dele, a mamãe dava multiplicado por mil. — A mão dele cobriu a sua sobre a tatuagem. — Ela era a pessoa mais doce e paciente que eu conheci. Às vezes, esse seu jeitinho delicado de falar, me lembra dela. — Ele deu um beijo demorado na testa da Bia. — Eu sempre dei um trabalho fudido pra todo mundo. Eu era chato e mimado e piorei na adolescência. Eu ficava mais na rua que em casa e só queria saber de festa, mas a mamãe nunca chamava a minha atenção com raiva. Ela sempre vinha conversar com um sorriso no rosto e tentava me entender e me ajudar. Isso me fazia me sentir pior do que se ela me xingasse ou me desse uma surra. Eu não sei te explicar como é horrível saber que eu fui um filho de merda quando ela foi a melhor mãe que eu podia querer.
A falta de emoção do início tinha dado lugar à tristeza, saudade e arrependimento que envolveram as palavras dele. Os olhos da Bia se encheram de lágrimas ao tentar se imaginar na mesma situação. O aperto no peito foi tão esmagador que ela perdeu o fôlego e desistiu, fazendo uma pequena prece de agradecimento pelos pais que iam estar em casa na hora que ela chegasse.
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Mau Amor [Concluído]
RomanceQuem nunca se enganou com uma pessoa? Aceitou primeiras impressões só para descobrir que não era nada daquilo? Ou será que era? Bia está longe de ser uma princesa, mas quando o príncipe encantado aparece em sua vida, ela resolve lhe dar uma chance...