Capítulo IX

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Está bastante frio lá fora, o céu continua nublado e as nuvens escondem o sol que de costume me acordava. fecho a janela e volto para a cama. Estava quase pegando no sono novamente quando ouço batidas na porta e levanto-me abruptamente para atendê-la. Estou usando uma camisola rosa de seda e minha cara não deve  ser das melhores quando giro a maçaneta e vejo quem está do outro lado.
-Avalon deseja sua presença no Grande Salão .- Mason está visivelmente insatisfeito com a tarefa na qual fora incumbido. O corte em sua testa ainda está avermelhado, mas parece melhor. Me parece estranho mandarem-no aqui, há serviçais para isso.
-Você não me parece muito alegre, Mason.- Seguro o riso.
-Apenas desça.- Ele diz já marchando para o começo do corredor. Me arrumo o mais rápido que posso e sigo para o Salão. Mason não está presente, não que eu me importe, uma dor de cabeça a menos.
-Minha querida, o que aconteceu com seu braço?- Bernard analisa a fina camada de tecido que está posta sobre o corte.
-Me cortei em um galho, nada para se preocupar- Digo já assentada ao seu lado.
-Curioso, Mason também se machucou na mesma árvore?- Avalon tem uma expressão aflita e ao mesmo tempo desafiadora.
-Eu realmente não sei. Nos separamos na chegada ao Deck.- Digo.
-Ordenei que Mason a acompanhasse.- Bernard diz insatisfeito.
-Não se faz necessário, Majestade.- Um sorriso educado se forma em meus lábios.- E então, porquê minha presença foi requisitada?- Tomo a taça com água com a mão. Os dois se entreolham rapidamente e Avalon se volta para mim.
-Temos péssimas notícias, Melinda.- Sua voz está tremula, nunca a vi naquele estado antes.- Os Maclaurin recusaram nosso pedido de paz temporária. Vão atacar a União Norte. E o nosso reino será o primeiro. A notícia me atingi como um soco, a ideia de uma guerra parecia improvável para mim. Oras, somos um reino poderoso, não somos? Nada disso parece adiantar agora.
-E o que faremos?- Pergunto quase sem ar.
-Vamos nos retirar o mais rápido possível, os soldados de Northern  estão chegando dos campos de treinamento e ocuparão o castelo.- A expressão de Bernard é sombria.
-E quanto aos príncipes?
-Eles também viram conosco.
-Para Onde iremos agora?
-Ravenearth, o reino é o mais distante e protegido.
-Essa é a segunda notícia ruim?!- Solto o ar pela boca enquanto cruzo os braços.
-Isso não é hora para desavenças, Melinda!- Bernard reclama.- Arrume suas malas, sairemos durante a  madrugada. Ele rodeia a mão de Avalon e a aperta.- Ficaremos bem.
De volta ao meu quarto começo a tirar os vestidos de dentro do guarda-roupa, são muitos e grandes demais. Finalmente, chego a conclusão que terei de levar apenas o necessário. Consigo colocar quatro em uma mala junto com as peças íntimas, sabe-se Deus como, e na segunda sapatos e alguns livros. Deixo as malas sob a cama e sento-me no parapeito da janela observando tudo ao redor, o jardim, o Deck, o rio, o vilarejo. Talvez seja a última oportunidade em que admiro tudo isso. Uma grande dor se apodera e faz meu coração doer, meus irmãos, se eu pudesse vê-los mais uma vez. As lágrimas quentes escorrem pelas minhas bochechas e pingam no colar que seguro, antes de ser trazida para Northern Snow, Elisa entregou-o a mim. Entrelaço a corrente fina e dourada entre meus dedos, o pingente de um girassol apoiado na palma de minha mão. "A esperança vai guiá-la, Melinda. Assim como os girassóis, siga a luz", ela me disse. Sento-me no chão e encosto minha cabeça perto da janela. Seguro a corrente fortemente com as mãos e a aproximo de minha boca, fecho os olhos, ainda sim as lágrimas não cessam. Começo a suplicar: Senhor Deus, proteja minha família, proteja nosso  reino. Tenha misericórdia de nós nessa hora obscura que se aproxima. Por favor...  Minhas palavras dissipam-se no ar e choro amargamente.

¤

Não desci para o jantar, meu estômago estava embrulhado. Ainda não acreditava no que Bernard tinha me contado. Continuava sentada no chão observando pela janela os criados transitarem da Casa Real para um enorme barco perto da costa do rio, carregam mais e mais malas. A neve, por sua vez, atrapalha bastante.  Começaram á tardinha e agora já é noite e eles continuam lá, indo e vindo com com elas. Posso ver um ou outro príncipe na janela do segundo andar. Acenavam para mim, mas um em particular não o fez. Não o reconheci de nenhuma maneira, deve ser o último que falta à se apresentar.  Seu cabelo liso na altura do ombro e castanho claro caía-lhe perfeitamente. Sua expressão era séria e após alguns instantes observando a movimentação no térreo, adentrou novamente à seu aposento. Horas mais tarde, já se passava das dez eu suponho, os serviçais chegam em meu quarto para buscar as malas. Após pegá-las eles se vão. Olho uma última vez para o cômodo e em seguida apago a lareira e fecho a porta. Posso ouvir o burburinho lá em baixo, mas não sei exatamente o que é. Ainda estou parada em frente à meu quarto quando a porta de Mason se abre e dois empregados saem de lá carregando suas malas. Acompanho-os com o olhar até sumirem escada à baixo. Mason aparece alguns minutos depois com as chaves na mão e sua expressão indecifrável, não parece ter medo ou qualquer outra emoção. Me encaminho até ele que gira a chave na porta e virando-se apenas me olha.
-Não sei o que aconteceu comigo no outro dia, meus pensamentos não estavam coerentes, sinto muito pelo o ocorrido.- As palavras soam tão estranhas que certamente estou corando.
-Eu realmente não me importo- ele tenta abrir caminho, mas o impeço.- Olha eu sei que isso não vai mudar coisa alguma, mas o que eu fiz foi rude..- Percebi que nunca tinha reparado em seus olhos, são de um azul claro e profundo, quase um mistério. Por pouco perco o foco, mas o retomo a tempo.- Não foi uma atitude certa para uma lady.- digo por fim.
-Guarde suas palavras manipuladoras para os outros, Milady. Você não me engana. Posso não ser dos melhores, mas você também não é a mocinha aqui.- Ele diz e se retira. Do que ele está falando? Ele é o mau caráter aqui. Fui muito burra mesmo em achar que ele aceitaria as desculpas de bom grado. Deixo minhas reclamações para depois, não é hora para isso. Giro nos calcanhares e vou direto para a escada. O salão está tomado por um barulho imensurável, todos os príncipes e os inúmeros serviçais parecem afoitos com toda a situação. Mas Bernard e Avalon não estão lá.

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