23 - O que eu quero?

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Tento parecer o mais calma possível, o que é difícil, então procuro ao menos demonstrar isso em minhas roupas e utilizo o que posso ao meu favor, meu scarpin é preto sóbrio de salto mediano, uso uma blusa branca de magas curtas e bainha de guipir e uma calça cinza de risca de giz com corte reto, mostram que sou uma pessoa sensata e, apesar do cabelo rosa que prendo em um coque baixo para não ser tão chamativo, eu pareço uma pessoa profissional e responsável, pelo menos é isso que eu penso ao me olhar no espelho.

- Que bom que chegou! – Exclama meu advogado assim que entro pela porta do fórum. – Uma das nossas testemunhas não compareceu, por tanto, você será a próxima. A Abigail acabou de sair da sala, já prestou depoimento, o juiz pediu um tempo e chamará você em breve.

- A Abby já prestou depoimento? E quem não veio? O Guto não é mesmo? Eu mato ele! – Caminhamos juntos pelo fórum.

- Na verdade foi o doutor Alexandre quem não compareceu. – Ele me olho de esguelha e sei o que está pensando. Também estou pensando nisso, estraguei tudo ao me envolver com o "Doutor Certinho Demais". - Estou tentando entrar em contato com ele, mas não me atende. – Ele continua. - Já liguei para o hospital mas é impossível conseguir uma informação correta. Tudo que sei é algo sobre uma cirurgia.

- Ele não veio. –Sinto um nó pesado na garganta e minha voz não consegue sair mais alta que um sussurro. Subimos os degraus e encontro meus pais junto a Abby, sentados do lado de fora de uma sala.

- Val. – Minha mãe levanta e vem até mim. – Não acreditava que você levaria isso a sério e que iria tão longe. – Ela segura meus ombros e olha em meus olhos. Engulo em seco esperando um sermão sobre eu não ter responsabilidade e não conseguir cuidar nem de mim, quanto mais da Abby.

- Mãe.. – Tento sair dessa conversa, mas ela me interrompe.

- Eu e seu pai estamos muito orgulhoso de você, é maravilhoso ver você amadurecendo desta forma, mesmo ainda cometendo erros. – Pelo seu olhar, sei que ela já sabe o Alexandre. Porra! Todo mundo sabe sobre isso? - A Abigail é uma menina fantástica, e... se der tudo certo, tenho certeza que vocês serão incríveis como mãe e filha, melhor do que eu e você. – Meu pai fica ao seu lado e ambos sorriem.

– Estamos torcendo por você. – Ele diz acariciando meu ombro. Neste momento Abby se levanta e vem até mim.

- Oi Val. – Ela me abraça meio sem jeito.

- Que bom ver você. Estou com saudade. – Digo enquanto beijo seu cabelo e sinto um alivio em meu peito, acho que nem tudo está perdido. – Como você está?

- Bem. – Ela sorri. – Aprendi a cavalgar. É muito legal, conheci o Coragem, ele é lindo.

- É lindo mesmo, estou com saudade dele. Acho que vou para lá no Natal, podemos cavalgar juntas. O que você acha?

- Seria incrível! – Ela sorri de verdade, uma mulher sai da sala e conversa com meu advogado.

- Valéria. – Ele me chama. – É nossa vez.

Pela primeira vez no dia minhas mãos suam, tento secá-las na calça, sem muito sucesso, já que o tecido não absorve o suor, respiro fundo e entro na sala, onde um juiz e uma escrivam aguardam por mim.

- Valéria Silveira Viana. – O Juiz fala meu nome de tom formal e começa a fazer algumas perguntas que respondo brevemente, não consigo prestar muita atenção, meu oração bate tão alto que atrapalha que eu escute todo o restante. – Vendo todo o seu histórico não consigo decidir se a senhora é qualificada para cuidar de uma jovem de quinze anos. O que a senhora pode me dizer sobre isso? Se acha apta?

- Meritíssimo, essa garota sofreu muito por ter uma mãe inconsequente, por ter sido abandonada pelo pai e a avó materna, tudo que ela precisa ser amada, receber atenção e orientação para aquela que é uma das fases mais difíceis da vida. Vocês acham mesmo que ela receberá isso numa casa de proteção para menores? Ou vocês realmente têm esperanças de que alguém vai adotar uma adolescente de quinze anos? Não é impossível, eu sei, mas temos um milhão de pesquisas que comprovam o quanto isso é difícil de acontecer. E meus pais, bem, eles são incríveis, mas tem quase sessenta anos, agora que começaram a aproveitar a vida e moram no meio do nada, a escola mais próxima fica a nove quilômetros de casa e ela nem é tão boa assim, a Abigail merece a melhor educação, e aqui ela tem! Sem falar dos seus amigos que vivem aqui, uma mudança de cidade poderia prejudica-la ainda mais, a morte da mãe já causou uma ferida enorme, ela era a única família que Abigail tinha. Posso não ser a melhor pessoa do mundo para essa função, tenho apenas trinta anos, não sou casada, mas tenho minha empresa, meu apartamento e uma ótima renda mensal, também tenho certeza de que meus pais que vão me ajudar com tudo que a Abigail precisar, e era o que a mãe dela queria. Sei que talvez eu esteja sendo egoísta, mas acho que o melhor para Aby é viver ao lado da família, ou pelo menos o que resta dela e de uma forma que ela se sinta bem e amada...

- Senhora Valeria. – Intervém o juiz. – Suas intenções podem ser boas, mas foi sob os seus cuidados que Abigail Viana, sofreu um atropelamento, teve fotos intimas publicadas na internet, sem falar que a senhora – Ele aponta um dedo acusatório e sinto meu rosto queimando de raiva e vergonha. - foi detida por agredir uma colega de Abigail, que a propósito, era menor de idade, a senhora tem muita sorte de os pais terem retirado a queixa, essas ocorrências mostram um pouco da sua capacidade em cuidar de uma jovem.

- Meritíssimo. – Meu advogado intervém.

- Sim? – Gente, esse homem é realmente arrogante, estou com vontade de dar uns tapas na cara dele, eu definitivamente odeio ele.

- Como o senhor pode compreender, todo esse mundo maternal é algo novo para minha cliente, mas apesar disso ela está ultrapassando seus limites, e se mostrou uma pessoa capaz de cuidar de uma adolescente. Todas essas situações que o senhor citou foram superadas, Abigail esteve aos cuidados de Valeria, que se mostrou prestativa e compreensiva nos dois primeiros casos, e o último, mesmo não concordando com a atitude e muito menos tentando justificar, mas a agressão foi uma tentativa de defender sua protegida, já que Camila, a garota agredida, é uma das envolvidas no caso da divulgação das fotos de Abigail. O senhor pode ver, ela agiu pelo instinto protetor, instinto de mãe. – Ao ouvir isso sinto um estalo na minha cabeça, mãe, estou agindo com uma mãe? Isso não me assusta, pois percebo que é exatamente isso que eu quero ser, quero ser mãe da Aby, protegê-la, comemorar seus sucessos, consolá-la em suas derrotas, eu amo aquela garota como se fosse minha.

- Certo. Acho que vocês já disseram tudo que eu precisava, pelo menos eu escutei tudo que era necessário. – O Homem dá um sorriso amarelo. – Se puderem aguardar uns instantes, terminaremos isso em breve.

- Sim. Aguardaremos, meritíssimo. – Meu advogado responde.

Então é isso? O futuro da Abby depende de um homem arrogante que acha que me conhece só por causa de alguns acontecimentos? Um homem que viu a Abigail apenas umas vez na vida e se acha no direito de decidir o destino dela? Isso me incomoda muito. Será que ele ao menos compreende a gravidade da sua decisão? Não posso perder a Abby, mesmo que seja para os meus pais, ela minha, e ficará melhor comigo, ou eu ficarei melhor com ela.


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Uma surpresa para Val ✔Where stories live. Discover now