Antes de Kerberos, Existia Nós Dois

134 18 49
                                    

Primeiro Capítulo —
Funeral No Refeitório

       Depois da nossa discussão, Adam saiu furioso, provavelmente para dar um ar e refrescar a cabeça. Dar um espaço para ele foi tudo o que me coube fazer; talvez ele tenha razão e eu não deva de fato ir para Kerberos.

       Ele passou o dia todo fora do meu campo de visão, andava pela Patrulha como se estivesse com pressa de que terminasse o dia, e parecia me evitar quando me via. Aquilo me fazia sentir mal, eu queria falar com ele, abraçar ele e pedir perdão. Queria ir naquela missão sabendo que, quando eu voltasse, ele estaria lá esperando por mim.

       No refeitório da Patrulha, ele sentou mesa de sempre, foi naquela mesma mesa que começamos a conversar depois de nos encontrarmos aqui, que nostálgico. Me obriguei a sentar na mesa ao lado, não era tão distante, mas de certa forma parecia estar a mais de milhões de quilômetros.

       Chamei ele algumas vezes, baixinho quase cochichando, mas ele não me ouvia. Se ouvia, estava me ignorando. Levantei e sentei ao seu lado, esperançoso por redenção e pazes. Ele apertou a mão na bandeja cinza com comida.

       — Nós precisamos conversar — eu falei, ele se encolheu milimetricamente, se fechou, mordeu com raiva um pedaço de pão.

       Bebi um pouco de água enquanto preparava um discurso para fazer, um pedido de desculpas, algo que acabasse com aquela guerra fria.

       — Adam, você precisa entender que isso é importante pra mim.

       — E eu não sou importante pra você Takashi? — ele falou baixo, me interrompendo, estava ma defensiva ofensiva. Provavelmente se segurando para não jogar a comida na minha cara e, admito, eu merecia. — Kerberos vale mais do que eu?

       — O quê? Claro que não! Adam, você é o meu bem mais precioso, eu te amo. Isso não se trata de valor.

       — E do que se trata então?! Honra? Fama? Glória? Superação? Quer provar pra si mesmo que ainda é capaz de fazer idiotices como essa?!

       Esperei que ele terminasse, deixar ele jogar a frustração em mim o acalmaria um pouco. Ele não me olhava, mas encarava aquele pão mordido como se fosse eu. O apertava, parecia querer parti-lo ao meio.

       Vendo ele assim eu me questionava sobre o que eu deveria ou não fazer. Ficar com ele aqui na terra, sendo um peso pelo resto de nossas vidas, ou partir e provar pra mim mesmo que não sou só um peso e, talvez, voltar sem ele estar me esperando?

       Adam se virou para mim, seu óculos continha algumas lágrimas, mas ele não parecia se incomodar com elas.

       — Por que quer partir? Por que quer me deixar?

       Boa parte do refeitório nos observava disfarçadamente. Fitei minha comida em silêncio, pensando.

       — Você não entenderia...

       — Então me explique Takashi.

       Parecia estar acontecendo um funeral bem ali, todos estavam em absoluto silêncio, esperando. Adam me olhava agora sem o óculos, seus olhos vermelhos pelas lágrimas. Eu era um monstro.

       Um sinal soou e todos saíram do refeitório aos poucos; Adam fez o mesmo, deixou o lugar sem dizer nada. Fui o último a sair, naquele momento estava envergonhado de ser eu.

Antes de Kerberos, Existia Nós Dois Where stories live. Discover now