33 - Olivia

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*Pouco antes dos acontecimentos do capítulo anterior*

A respiração profunda e lenta de Laurence era a única coisa que mantinha presa ao mundo real.

Inspira.

Expira.

Repeti as palavras tão periodicamente que em pouco tempo comecei a confundi-las uma com a outra, tornando seu significado mútuo: respira.

Não pira.

Olhar o corpo inconsciente e retorcido de Laurence entre os lençóis de seda branca me trazia uma sensação de profunda paz espiritual.

Meu marido. Tão lindo, forte e maduro. Um homem invejável. De corpo e de mente.

Os olhos tão verdes quanto a grama de um pomar na luz do amanhecer traziam consigo não só beleza mas, acima de tudo, sinceridade. Os músculos tão perfeitamente trabalhados e rígidos vinham também com proteção. A pele, macia, negra e hidratada, significava aconchego, conforto.

Meu homem inteiramente. Sincero, protetor, confortável.

Fico feliz que Charlotte tenha encontrado essas características em Andrew. Nunca imaginaria que ela própria o pediria em casamento, embora eu mesma tenha dado este conselho inúmeras vezes.

Eles são como nós agora. Foi que Laurence disse.

Olho uma última vez para sua cabeça pousada serenamente no travesseiro e me concentro na sua respiração para tomar coragem.

Laurence Hendrix, eu escolho você. Eu preciso escolher você.

Não porque é mais fácil. Mas porque é o certo a se fazer.

Sem me importar em checar o horário ou vestir uma roupa adequada, saio da suíte alugada pelo meu marido e caminho pelos corredores vazios do Park Hyatt Milan até encontrar o quarto da pequena francesa.

Grace Curie. Minha amante.

Com os nós dos dedos dou três toques hesitantes na madeira. No silêncio predominante da madrugada soam como três murros fortemente bem dados. Internamente, torço para não afetar seu sono, para que não ouça meu chamado e que sua ausência me obrigue a ir embora. Mas, segundos mais tarde, lá está ela.

Linda como Vênus pelas mãos de Botticelli.

- Olivia? - Surpresa? Um pouco. Não tanto para alguém que já previa minha chegada.

- Oi.

Olho para seu corpo mal coberto pelo inútil hobby e cada pedaço dele me faz ter uma recordação diferente dos nossos dias passados em Londres e Paris.

Oh, céus, como pude achar que isso daria certo? Como puder ser tão ingênua a ponto de pensar que vir aqui, dizer umas palavras e me virar de costas me faria deixar de ama-la? 

Ela me olha com aqueles olhos verdes espertos como se soubesse tudo que se passava na minha mente. Como se pudesse ver, por dentro de mim, toda a batalha que travo contra a minha sanidade para livra-la dos pensamentos imundos que me cercam assim que meus olhos encontram os seus.

Como se soubesse, e gostasse, de ser comida por meus olhos.

- Eu não devia ter vindo. - Suspiro quando a pressão da batalha me consome a ponto de quase me sufocar.

- O quê? 

Estava quase me virando de costas quando sinto meu braço ser agarrado com uma certa força. Inconscientemente pensei nas vezes que a fodi tão bem que sua única válvula de escape foi enfiar as unhas com força em mim e gemer por meu nome.

- Grace... 

- Desculpa. - Pelo jeito que balançou a cabeça... Ela também se lembrou do mesmo que eu. - Mas você não pode bater na minha porta as duas da manhã e ir embora sem falar nada comigo.

Xeque mate, garota. Eu avisei que você ia acabar comigo.

- Tem razão, eu... - Outro suspiro. - Posso entrar?

- Claro.

Antes de entrar faço questão de dar um segundo nó na amarra do meu hobby. Só para não me desviar do meu verdadeiro propósito.

- Uau. - Limpo com a mão o suor acumulado em minha testa.

- O que foi?

- Precisamos conversar. - Digo de uma vez.

- Sim. - Ela engule em seco.

Me sento na beira da sua cama e tento de todo o coração não me comover com seu cheiro que emanava dos lençóis. Respiro fundo uma vez e...

It's now or never.

- Laurence e eu vamos para Nápoles no fim desta semana. - Minto descaradamente.

Mais ou menos. Quer dizer, não é uma mentira completa. Laurence e eu já discutimos acerca de uma segunda lua de mel em Nápoles. Só não chegamos a um acordo final.

- Hum... - Ela estreita os olhos, sem entender. - Que... Legal.

- Você não entendeu, Grace. Não vamos mais poder nos ver.

Olivia, sua filha da puta. Parte de mim grita obscenidades e me julga pela covardia. A outra parte se sente aliviada. Direto e rápido.

Vejo pouco a pouco seu rosto mudar. As engrenagens funcionando em sua mente francesa e brilhante.

Até no fim ela se torna um fascínio para mim.

- Tudo... bem.

- Me desculpe. - Procuro ser sincera. Mas não a ponto de deixar trasparecer minha fragilidade. - Não sei até onde achamos que esse nosso... lance iria chegar. Mas sei que agora precisa acabar.

- Eu sei. - Ela parece... conformada, madura, bem.

Assim como eu, no fundo ela sabe que estamos fazendo o que precisa ser feito.

- Vou sentir sua falta.

- Também sentirei a sua. Prometo não contar a ninguém. 

Oh.

Até quando está ferida ela se mostra gentil.

- Obrigada. Eu... vou fazer o mesmo.

Me levanto e penso no que aconteceria se eu simplesmente andasse e saísse.

Nunca me perdoaria por isso, responde a outra parte.

No fundo eu sei que não. E mais fundo ainda sei que minha vontade é ficar aqui, rasgar sua camisola fora e enfiar-lhe meus dedos tão fundo para ouvi-la gemer.

Mas também sei que não farei isso. Então me contento em abraça-la até fazer com que regularize as batidas do seu coração.

Ficamos algum tempo assim, perdidas nos braços uma da outra.

Quando nos soltamos, me pergunto quem verdadeiramente ofereceu apoio a quem, já que isso não fica claro nem no meu mais sicero beijo de adeus.

Fim da temporada 01

BAZAARWhere stories live. Discover now