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Poucas entradas tinha eu em casa de D. Matilde naquela época. O convite me surpreendeu; e ainda mais quando no dia seguinte recebi um cartão de visita da senhora com palavras afetuosas.

Tive mais tarde a explicação dessa e muitas outras finezas que recebi de toda aquela família. O pai e as tias de Emília queriam, com as repetidas provas de sua bondade, apagar qualquer ressentimento que pudessem gerar no meu espírito os modos ríspidos da menina, agora moça. Muitas vezes procuravam desculpá-la com seu excessivo acanhamento.

O baile foi esplêndido. D. Matilde triunfava, no meio de suas rivais e aos olhos de seus adoradores.

Lá estava Emília.

Ainda a flor agreste de sua gentileza não se havia aclimatado à atmosfera do baile. Ela perdia à noite e no meio do salão ornado pelas mais elegantes formosuras da corte. Não tinha ali nem a suave limpidez do desalinho, em que eu a vira antes; nem o fulgor radiante, que tanto admirei depois. Era o crepúsculo matutino de uma rosa, que abotoara à noite e ainda não desatara ao sol.

Estive conversando com D. Leocádia algum tempo; quando me ergui, ela perguntou:

— Não dança, doutor?

— Pode ser, minha senhora.

— Dance!... Olhe! Vá tirar Mila.

E a boa senhora mostrou a sobrinha sentada a alguma distância.

Aproximei-me. Já o baile tinha perdido a simetria da entrada, no seio da confusão que é o seu maior encanto: a música, as vozes, os risos, os ruge-ruges das sedas, os burburinhos da festa, enchiam o salão.

No meio dessa multidão jovial, Emília tinha uma atitude de corça arisca, eriçando os velos macios e estremecendo aos rumores vagos da floresta. A menor palavra, um vestido que roçava, uma sombra a projetar-se a assustavam. Contudo, às vezes à força de vontade, ela arrancava dessa mesma timidez audácias ingênuas, que não teria uma senhora: erigia a fronte com altivos desdéns, e fitava em face qualquer homem que a olhava.

Cumprimentei-a. Inclinou a fronte, não para corresponder-me, mas para esquivar-me o rosto. Quando lhe pedi a contradança, creio que ela fez um grande esforço, porque o seu pescoço de cisne perdeu a doce flexibilidade: ergueu a cabeça com certa aspereza.

Pôs os olhos em meu rosto, e correu-me um olhar frio e gelado, que me transiu.

— Não, senhor — disse com a voz seca e ríspida.

Ainda eu estava imóvel diante dela, quando chegou-se pressuroso o Barbosinha:

— Já tem par para esta contradança, D. Emília?

— Ainda não tenho, não senhor; respondeu ela com a pronúncia clara e vibrante.

— Então, faz-me a honra de dançar comigo?

Levantou-se para tomar o braço do cavalheiro. Eu tive uma vertigem de cólera; era a segunda vez que essa menina humilhava-me.

D. Leocádia passou nessa ocasião.

— Ah! Não quis dançar com Mila?

— Ao contrário, não lhe mereci essa fineza.

— Pois ela recusou? disse a senhora contrariada.

— Naturalmente já tinha par, D. Leocádia.

Emília, que se colocara para a quadrilha a pequena distância, voltou-se rápida ao ouvir as minhas palavras. Um fino sorriso de ironia passou-lhe fugace entre os lábios.

— Vou preveni-la para a seguinte — me havia respondido a tia.

— Perdão, D. Leocádia! Teria com isso o maior prazer, mas... eu me retiro já.

Diva (1864)Where stories live. Discover now