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Por esse tempo Emília fez a sua entrada no Cassino.

— Já viu a rainha do baile? disseram-me logo que cheguei.

— Ainda não. Quem é?

— A Duartezinha.

— Ah!

Realmente, a soberania da formosura e elegância, ela a tinha conquistado. Parecia que essa menina se guardara até aquele instante, para de improviso e no mais fidalgo salão da corte fazer sua brilhante metamorfose. Nessa noite ela quis ostentar-se deusa; e vestiu os fulgores da beleza, que desde então arrastaram após si a admiração geral.

Seu trajo era um primor do gênero, pelo mimoso e delicado. Trazia o vestido de alvas escumilhas, com a saia toda rofada de largos folhos. Pequenos ramos de urze, com um só botão cor-de-rosa, apanhavam os fofos transparentes, que o menor sopro fazia arfar. O forro de seda do corpinho, ligeiramente decotado, apenas debuxava entre a fina gaza os contornos nascentes do gárceo colo; e dentre as nuvens de rendas das mangas só escapava a parte inferior do mais lindo braço.

Era o toque severo do pudor corrigindo a túnica da vestal imolada à admiração ardente das turbas.

Quando Emília sentava-se, abatendo com a mão afilada os rofos da escócia, parecia-me um cisne colhendo as asas à margem do lago, e arrufando as níveas penas. Quando erguia-se e coleava o talhe flexível fazendo tremular as brancas roupagens, lembrava o gracioso mito da beleza, que surgiu mulher da espuma das ondas.

Estive contemplando-a de longe. A multidão de seus adoradores a cercava como de costume, e ela distribuía aos seus prediletos as quadrilhas que pretendia dançar. Pela expressão de júbilo ou de contrariedade dos que voltavam, eu conhecia se tinham sido ou não felizes.

Que interesse tão vivo achava eu nessa observação?

Já compreendeste sem dúvida, Paulo, que essa menina me preocupava a malgrado meu. Pois sabe, que naquele momento tinha inveja dos preferidos; apesar do juramento que eu fizera de nunca dançar com ela depois da desfeita que sofri, cometeria a indignidade de ir suplicar-lhe ainda a graça de uma quadrilha, se não temesse nova e humilhante repulsa.

Livre um instante de sua roda de admiradores, Emília correu a vista pelo salão, e fitou-a em mim com uma persistência incômoda. Ela tinha, quando queria, olhares de uma atração imperiosa e irresistível que cravavam um homem, o prendiam e levavam cativo e submisso a seus pés. Eu resistia contudo; mas ela me sorriu. Então não tive mais consciência de mim; deixei-me embeber naquele sorriso, e fui, cego d'alma que ela me raptara e dos olhos que me deslumbrava.

— D. Emília... — balbuciei cortejando.

Mas que estranha mutação! Sua esplêndida beleza congelou-se. As longas pálpebras erguidas pareciam fixas sobre uns olhos lívidos e mortos. Resvalando pela tez baça, as luzes palejavam-lhe a fronte jaspeada. O talhe de suaves ondulações crispava-se agora com uma rigidez granítica. Senti, aproximando-me, exalar-se dela a frialdade, que envolve como um sudário transparente as estátuas de mármore.

Passei, e tão alheio de mim, que não veria Julinha e D. Matilde ali sentadas, se esta não me advertisse da minha falta.

— Boa-noite, doutor! Que distraído que ele está hoje!

— Perdão, D. Matilde! Como passou?... Ia com efeito, não distraído, mas ofuscado por tanto luxo e formosura. A culpa por conseguinte também lhe cabe, e em grande parte!

— Quando é que o senhor há de perder o costume de ser lisonjeiro?

— Quando a senhora quiser acreditar-me!

Diva (1864)Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum