SPELAION - PARTE II

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Chawla passou a mão pelos livros procurando algo que despertasse seu interesse. A estante possuía volumes de literatura clássica, de pensadores e filósofos que questionavam a condição humana e alguns autores mais modernos. Não gostava de ficar cercada por livros técnicos enquanto pensava e às vezes gostava de programar alguns personagens na simulação, para ver como reagiriam em situações adversas, um pequeno prazer que se permitia nas horas vagas. Em uma dessas simulações havia descoberto que a complexidade dos simulados aumentava sua capacidade de questionar o universo.


Essa ideia havia demorado tempo demais para chegar: defeitos, contradições e sofrimento davam mais vida aos personagens do que propósitos preestabelecidos. Tinha feito um progresso gigantesco com essa descoberta, mas havia perdido tempo demais na sua vida. Estava com sessenta e oito anos e sua saúde não dava sinais de melhora. 


Chawla salvou o relatório na pasta "Projeto Spelaion" e baixou a tela do notebook. O projeto havia sido criado com colegas para tentar solucionar e gerir o caos que a era da informação havia desencadeado. Estava na vanguarda de um movimento de mudança que acreditava que a inteligência artificial seria o futuro da gestão e gerenciamento de crises, eliminando o fator humano da equação e, consequentemente, a probabilidade de erros.


O que mantia o projeto ainda em funcionamento era ela e não por muito mais tempo. Seus colegas haviam abandonado o projeto aos poucos, procurando estudos novos e mais promissores ou se aposentando. Alguns membros do conselho responsável pelo orçamento já estavam há algum tempo tentando descontinuar o Spelaion. Na última reunião para a reavaliação da sua pesquisa descobriu que se encontrava em uma posição delicada. Estavam cansados da falta de progresso dos últimos cinco anos e inclinados a seguir por caminhos diferentes, sem envolver nem psicologia e nem a filosofia no processo. Queriam algo novo, focado na alta capacidade de aprendizado das máquinas, e não uma inteligência artificial aprende com as experiências humanas. Um membro do conselho tinha comparado a pesquisa à astrologia. Bonita, cativante e até interessante, mas sem verdade. Um hobby. Com muito esforço e promessas conseguiu manter seu financiamento com velhos amigos, mas sabia que não sobreviveria à próxima reunião sem progressos reais.

Chawla separou alguns livros que não utilizara em simulações. Folheou vários, sem encontrar algo com o poder de que precisava. "Mais do mesmo", pensou frustrada. Deitou a cabeça no encosto da cadeira e fechou os olhos, tentando deixar seus pensamentos fluírem. Precisava de um simulado diferente. Algo que funcionasse de fato.


– Ah, merda! – Disse ela, lembrando que não havia desligado o computador depois da última simulação, apenas o monitor. – Sempre que estou confortável...


Apagou seu cigarro e marchou resmungando. Ligou o monitor e "SUCESSO" piscou na sua testa outra vez. Se deteve um momento olhando para o seu rosto no monitor. Envelhecera mais nesses cinco anos do que em toda a sua vida. Uma vida passada em prol de uma descoberta que não conseguia realizar... Chawla arregalou os olhos, observando seu reflexo fazer o mesmo. A resposta era tão simples.

Omnes Viae: Contos Fantásticos - Completo na AmazonWhere stories live. Discover now