Habilidades ocultas.

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Os humanos não se calavam. Ainda havia os cavalos passando nas ruelas, os cachorros vadios, os pássaros nos telhados e o estridente som de gaita vindo do salão abaixo.

Depois que acordei do sonho, assumi a forma humana e acabei deitando na cama vazia, virado para a parede e de costas para o mundo barulhento, consegui pegar no sono, mas depois de ouvir Luahn sair e não voltar comecei a ficar preocupado. E pensar em atravessar sozinho o térreo cheio de humanos, só me fazia imaginar calando-os com selvageria e matança por estresse. Eu entendia porque nenhum animal livre gostaria dali.

— FIEL! — e a porta chocou-se na parede com a grande entrada, mas já havia farejado sua aproximação no corredor. Não me movi, mesmo assim a mestiça chegou sentando-se próximo de minha costa. — Olha o que ganhei! — enfiou um livro na minha frente e parecia feliz com o item de capa vermelha, folhas amareladas e um sutil cheiro de mofo. Não era nada de mais até ela explicar: — É um livro de feitiços e poções!

Estranhei e virei o corpo para cima, olhando-a:

— Onde arrumou isso?

Ela sorriu fino, jogando uma longa mecha loira ondulada para trás do ombro:

— Alguém me deu. — Estreitei os olhos, o jeito que não me olhava, fingindo interesse no livro, tencionando o maxilar sem ter nada na boca e começando a corar, era suspeito. Então se agitou antes que eu insistisse em saber a verdade. — Ah, está bem! Foi o Octavian! Ele que me deu. Ontem acabei dizendo que sou feiticeiro e hoje ele me trouxe isso e isto — puxou da barra baixa do colete um bracelete maleável e largo, prata brilhante, entregou-me e observei.

— Ele deve gostar mesmo de você... — murmurei e estendi o presente de volta, sem expressão, apesar da vontade de dizer para ela parar de criar intimidade com cavaleiro.  — Mas o valor de um homem está no que ele faz por você, não no que lhe dá.

Luahn me olhou e sustentei, então ela sorriu:

 — Que bonitinho. Vou lembrar-me disso! — riu. — Mas! Isso é perfeito! Vou ficar com o livro para estudar e posso vender esta jóia e comprar algumas coisas que precisamos. Aliás, que sair comigo? Pode ser perigoso eu continuar andando por aí sozinho com esse corpo.

Não dava para deixá-la sem companhia sabendo que dava conversa para qualquer um, então nós exploramos a cidade. A mestiça se divertia em conhecer as coisas e aceitava quase todos os conselhos de onde seria um bom lugar de visitar. Quando teve fome, bastou se afastar de mim um pouco e conseguia alguma coisa de graça de humanos idiotas em barracas.

...

Estávamos em uma das ruas de comércios, Luahn pechinchava uma mochila de couro com uma velha senhora sentada em uma pequena tenda, apesar de ainda não ter nenhuma moeda. Eu apenas a observava quando notei alguém parar do meu lado. Octavian sorriu, lançando-me um breve olhar de cumprimento, depois assistiu um pouco da discussão da loira com a viúva que mostrava uma mochila menor. Os cabelos ruivos escuros dele refletindo o sol da tarde, fazia-o parecer um cabeça de brasa.

— Ela é uma negociante — ele comentou achando graça. — Uma mulher que dá valor ao seu dinheiro, isso é bem interessante. — De repente, Luahn se calou e virou-se para mim, parando de súbito o que fosse me dizer ao notar o rapaz do meu lado, e ele avançou até elas: — Se permitir-me, lhe dou a mochila Luahna.

A mestiça ainda estava surpresa de ele ter aparecido, então sorriu, assumindo seu ar feminino:

— Ah, Octavian, não precisa. Estou quase conseguindo um bom valor.

O ruivo riu:

— Não seja difícil, mulher. Certamente essa senhora teve trabalho para ter esse produto. — Em seguida, ele questionou o valor e pagou, apanhando a bolsa de couro e entregando para Luahn. — Espero que seja útil.

O Lobo-Homem e o Feiticeiro MestiçoOnde histórias criam vida. Descubra agora