~Terra dos mal falados~

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Faz alguns dias... Carlyne não nos queria em sua casa, não queria companhia, nem saber de nada além de suas terras no meio do verde da floresta pacifica, mas havia nela impulsão de nos ajudar. Tudo o que sei do que aconteceu depois dela nos deixar na beira do rio é o que ela me contou.

Disse-me que levou seu velho cavalo amarelo para nos carregar, o pobre animal é cego de um olho e anda devagar, o que apenas demonstrou que no fundo daquele ar insensível, ela tem compaixão. Acho que não cheguei a lhe dizer alguma palavra de gratidão pelo feito de ter-nos arrumado no animal e trazido sozinha ao seu sítio, mas, sinceramente, ela não me parece alguém que aprecie ou está acostumada em ser agradecida por coisas que faz.

Contudo, as coisas não foram tão simples enquanto eu dormia. Numa manhã seguinte, lembro-me de despertar com o cantar de um galo e havia amarras frouxas no meu corpo e quatro símbolos rabiscados em tinta no meu peito, estava ainda me sentindo cansado, mas ela me contou o que seria um pesadelo para qualquer um: pouco após o pôr do sol e a lua se erguer no céu eu me transformei em algo que ela chamou de ‘meio-lobo’ e ‘besta’.

Carlyne estava próxima das chamas da lareira, no cômodo mais amplo do casebre, costurando os ferimentos de Fiel diante da luz depois que havia feito o mesmo comigo e apenas me deixava descansar em um canto, no chão, sobre uma pilha baixa de lã e couros. De repente, ela ouviu grunhidos e encontrou-me em meio à mudança. Sabendo que eu não estava consciente, a mulher me imobilizou com cordas, mas graças a um movimento involuntário de meu braço e garras ela viu que não seria o suficiente e transcreveu o feitiço de paralisia copiando de um papel velho.

Eu não ia acreditar só por ouvi-la, mas ao lado da improvisada cama encontrei os sucos arranhados na parede. Apesar dessa noite assombrosa, ela me ofereceu o melhor alimento que poderia arrumar e remédios para dores, ajudou-me e disse seu nome quanto perguntei. E, depois da madrugada seguinte, descobri que aconteceu a mesma coisa, novamente estava com os símbolos no corpo, meio amarrado, e por isso arrumei animo para perguntar sobre aquilo.

— Como aprendeu a usar runas? — questionei, sentando-me e analisando suas reações, meu corpo sempre parecia fraco mesmo permanecendo imóvel por horas. 
Ela, apesar de distraída em empilhar as lenhas ao lado da lareira, levantou-se incerta e me olhou, depois seguiu até uma prateleira com vidros e potes e quatro livros gastos.

— Há alguns anos tenho tentado aprender mais. No entanto, é tudo difícil quando se é sozinha e não... — ela se interrompeu, após tirar algumas folhas amarelas de um dos livros, que na verdade era só uma capa de couro, e se aproximou.

— Não o quê?

A mancha clara em seu rosto ficou rosa na parte da maça, havia ficado com vergonha.

— Não sei ler. — Não me espantei, era algo comum no mundo. — Sei algumas coisas e esqueci muitas outras. A velha que me ensinava quando criança deixou-me de lado quando essas manchas apareceram em meu rosto. — Observei-a curioso para saber mais de sua historia, mas ela logo voltou ao assunto e me distraiu: — Mas essas folhas — ajoelhou-se ao meu lado, entregando as páginas — alguém me disse para que elas servem e não me esqueci, pois são todas úteis.

— Eu posso te ajudar enquanto isso... — disse, mas já estava distraído com o que ela tinha.

Eram folhas tipo anotações, uma cópia aleatória de runas úteis e uma breve instrução, incluindo seu sacrifício. Crescimento de plantas, proteção contra praga, runa para acalmar tempestades, para achar água, para achar algo perdido, para atiçar fogo, para adormecer, paralisar, afastar. Meu estudo de runas havia sido quando ainda era um menino, mas me lembrava bem. São marcas com poder influenciando aonde são postas e duram de acordo com a maestria do escritor. Majen já me contara de runas raras, das esquecidas e das muito importantes e poderosas, além de varias outras úteis que eu ainda possuía na memória, todas classificadas pela sua utilização, objetivo e sacrifício, quanto mais difícil o sacrifício maior o seu poder, mas o mais alto preço a se pagar nunca valia a pena para aqueles de bom coração. E as runas de Carlyne eram comuns, simples e sem maldade, para um não feiticeiro usá-las o poder da fé era o bastante, mas era lógico que o tempo seria menor. No caso, durando a noite que eu me transformava.

O Lobo-Homem e o Feiticeiro MestiçoTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang