CAPÍTULO 43 - A DAMA E O CONQUISTADOR II

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Março.

Conquistador.

Quando a porta da carruagem se abriu eu fechei os olhos com mais força, incomodada com a luz do dia que se estendeu sobre mim como uma manta dourada. Alguém me puxou para fora e carregou-me no colo. Não era o mesmo homem que me resgatara em Dourada. Era alguém mais baixo, com um perfume doce e que usava roupas de tecidos finos. Estremeci ao pensar em Hércules. Então ele me perdoara.

O homem que me carregava procurou ajeitar-me melhor em seus braços e gritou para alguém ao longe.

- Chamem o rei! Chamem o rei!

Minha enorme decepção ao ouvir aquilo me fez ter vontade de voltar para a carruagem e me trancar novamente naquele mundo escuro e silencioso. Eu estava nos braços de Heitor, meu noivo preterido.

Ele levou-me para dentro e eu fechei os olhos. Devo ter adormecido, pois quando voltei a abri-los estava em minha cama. Olhei sem conseguir acreditar todos os objetos de meu quarto, que permaneceram intactos. O guarda-roupa, o lustre decorado, a penteadeira com espelho e quando me virei para ver a poltrona vermelha, Hércules estava sentado nela, encarando-me com seus olhos enormes e inquisidores.

Ele tinha os cabelos bagunçados e usava uma blusa velha e surrada com o desenho de leão. Parecia que estivera cavalgando, mas agora estava bem ali, ao meu lado.

Lágrimas saltaram aos meus olhos e eu sentia uma vergonha infinita por aquela situação, mas não queria parar de olhar para ele, como se temesse que ele pudesse desaparecer diante de meus olhos.

- Me desculpe... – eu disse entre lágrimas – Me desculpe, você tinha razão...

- Não fale assim. Eu fui um idiota.

Eu me calei, mas continuava chorando. Ele pegou um lenço que continha o leão de Conquistador e suas iniciais e passou-o desajeitadamente pelo meu rosto. Seus modos foram tão rudes que ele parecia estar fazendo de propósito e aquilo me fez rir.

- Talvez eu devesse chamar Andrômaca, - ele disse – ela vai se ocupar melhor de você, pelo menos por enquanto.

Ele fez menção de se levantar, mas eu segurei seu pulso.

- Não. Fique comigo. Por favor.

Hércules assentiu e voltou a se sentar.

- Com você me pedindo com essa expressão de piedade e esse ar deplorável que você está, eu nunca poderia partir.

Eu enrubesci, pensando na triste figura que eu deveria estar fazendo diante dele.

- Minha aparência é muito ruim? – perguntei, pensando em todo aquele vômito e meu vestido sujo de terra e lama.

- Não. Você está ótima. – ele mentiu – As servas lhe deram banho e Andrômaca vestiu-a com um de seus vestidos, porque, aparentemente, você não trouxe nada...

Hércules ficou esperando que eu desse qualquer explicação, mas tudo que eu consegui fazer foi assentir com a cabeça, mordendo os lábios para não recomeçar a chorar.

- É espantosa sua capacidade de adoecer sempre que vem de Dourada! Os sábios da corte disseram que você chegou aqui ardendo em febre e tem hematomas pelo corpo, como se tivesse sofrido uma queda! Não sei que espécie de perigosos serviços você faz para a rainha, mas lançarei um decreto real que a proíbe de voltar para aquele reino!

- Eu não vou voltar...

Ele encarou-me, preocupado. Eu era para Hércules, naquele momento, um enigma. Não conseguia explicar nada e tinha lágrimas presas nos cantos dos olhos. Foi então que ele sentou-se na beirada da cama e pegando em minha mão ou soube que o rumo naquela conversa iria mudar.

- Eu fiquei muito preocupado, Elena. Fiquei também, é claro, com muita raiva de sua petulância em não querer me ouvir e voltar para debaixo das asas opressoras da rainha de Dourada. Mas mesmo assim dei ordens para que o cocheiro permanecesse lá pelo tempo que fosse necessário. Porque eu sabia que você acabaria voltando. Imaginei que um mês ou dois seria tempo suficiente para que houvesse qualquer desentendimento entre a rainha e você, e ela, novamente, te descartasse como um brinquedo quebrado. Mas veja, que apenas uma semana e meia se passou desde que você partiu. Uma semana e meia, Elena! O que pode ter acontecido de tão terrível nesse tempo para que você chegasse aqui como chegou?! Você vai ter de me dizer, mais cedo ou mais tarde, por que não diz logo e acabamos com isso? E então baniremos os nomes Dourada e Aurélia de nossas vidas, para sempre.

Eu percebi que ele tinha razão. Eu não poderia esperar tanta gentileza e amabilidade sem lhe dar nada em troca. E tudo que Hércules pedia era a verdade sobre o que acontecera em Dourada. Se eu não contasse, ele ficaria sabendo em grande parte por Luiz Fernando. Não iria fazer diferença.

Olhei para sua mão com os dedos entrelaçados entre os meus e não quis que ele os soltasse. Coloquei minha outra mão por cima e fiquei girando a corrente de prata em seu pulso, enquanto falava.

Contei tudo desde minha chegada até o momento em que fui colocada para fora e empurrada escada abaixo. Não omiti nada, nem mesmo o que ouve entre Aurélia e o rei de Nova Nanuque. Eu não me importava se aquela noticia se espalhasse. Pela primeira vez meu coração estava cheio de rancor e eu dava de ombros para a reputação da rainha. Foi a primeira vez que eu lhe desejei mal e não me senti uma pessoa pior por isso.

Hércules ouviu tudo com atenção e ao final de minha narrativa, passou os dedos por meu rosto, olhando-me tristemente.

- Lamento muito que você tenha passado por tudo isso, mas ao menos vejo que foi de alguma valia. Você percebe agora quem a rainha de Dourada se tornou? Porque eu admito que até alguns meses atrás, Aurélia era uma agradável princesinha e eu apreciava bastante sua companhia.

- Sim, agora eu vejo o quanto ela mudou.

- E veja também a grande tola que você é! Por acreditar tão facilmente na afeição dela por você e renegar de maneira tão hostil a minha.

Subitamente todo o desconforto por ter de contar aquilo a Hércules e admitir minha ingenuidade ao acreditar em Aurélia foi substituída pela vergonha de estarmos novamente falando naquele assunto. Mas dessa vez era diferente.

Naquele dia, nos aposentos do rei, eu fui pega de surpresa, como uma lebre capturada enquanto saltava alegremente por um bosque. Mas agora eu sabia que Hércules voltaria a falar sobre aquele assunto, talvez porque ele estivesse acostumado a ter todas as mulheres que quisesse e não se conformasse que eu tivesse escapado de seus braços. Mas pelo motivo que fosse, eu percebi que esperava e ansiara por aquele momento.

Eu não queria soltar a mão de Hércules, não queria que ele saísse da beirada da cama e se afastasse de mim indo sentar-se na poltrona. Apenas aquela distância já me faria sofrer. Ainda havia uma vela que ardia em meu peito com o nome de Pedro marcada na cera, mas o que eu queria naquele instante era Hércules. E quanto mais eu pensava nisso, menor me parecia que a vela ia se tornando. E eu não iria me privar de algo que queria e podia ter.

- Eu não renego a afeição que você possa ter por mim, apenas tenho medo.

- De mim?

- Tenho medo de ser só mais uma jovem tola a passar pela cama do rei.

- Mas será possível que você não percebe, Elena? Você é especial para mim.

Virei na direção de seu rosto que já estava quase colado ao meu e deixei que ele me beijasse. Soltei sua mão apenas para colocar as minhas em seu pescoço. E ouvi as batidas na porta.

Nos afastamos, mas não com rapidez. Hércules não saltou para a poltrona como se nunca tivesse feito nada além de trocar palavras de boas-vindas comigo. Permaneceu na beirada da cama, mesmo quando Andrômaca, Felipa e Vitório entraram.

Pouco depois ele teve de partir, carregando Vitório em seus calcanhares, pois não era certo homens ficarem tanto tempo nos aposentos das mulheres. Depositou um beijo em minha testa e eu soube com uma alegria incontida que nós nos reencontraríamos ainda naquele dia. Era como se tudo de ruim que me acontecera em Dourada não existisse mais. Naquele momento Hércules ocupava todos os meus pensamentos.

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Herdeiros Malditos [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now