CAPÍTULO 44 - CORAÇÕES DOMADOS

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Maio.

Conquistador.

Quando olhamos para trás e nos lembramos de boas épocas de nossas vidas temos sempre a impressão de que tudo passou muito depressa e que poderíamos ter aproveitado mais. É assim que eu me sinto quando me recordo dos meses que passei em Conquistador, tendo Hércules como meu confidente, amante e amado.

É estranho, agora que não passo de uma velha coberta de rugas, me lembrar de quando eu era tão jovem. É como se eu olhasse por uma janela e visse uma menina que me despertasse uma enorme afeição, mas que eu não percebia que se tratava de mim mesma.

Vejo essa jovem de 17 anos correndo pelos campos de Conquistador nas tardes pálidas de outono, com seus longos cabelos escuros soltos em suas costas, como Hércules pedia para que eles ficassem, pois gostava de ter meus cachos entre seus dedos.

Minhas manhãs eram cumpridas nos aposentos das mulheres, bordando, tecendo e tocando a harpa, que a princesa Olímpia tentava me ensinar. As tardes eram preenchidas pela companhia de Andrômaca e Felipa, cavalgando ou nos divertindo na praia. E as noites, eram dele.

Era sempre depois da última oração a Eudo que eu dava boa noite a todas as mulheres ao meu redor e inventava sempre a mesma desculpa de ir admirar o mar da varanda. Assim eu deixava meus aposentos, atravessava todo o castelo, sempre com o coração aos pulos e chegava até a área privada do rei. Passava pelos servos com a cabeça um pouco abaixada, ainda envergonhada por minha condição de amante, mas não o bastante para que isso me fizesse querer abandonar aquele cargo, que até onde eu podia saber, vinha pertencendo só a mim.

Às vezes eu cruzava com o rei pelos corredores, quando ele estava a caminho de uma assembléia ou eu ia ao encontro de suas primas. Lembro com meu peito ardendo de como ele me agarrava nessas ocasiões e me encostava contra a parede me beijando rapidamente, até que ouvíssemos passos no fim do corredor e nos afastávamos.

Uma tarde em que a praia estava coberta de neblina, eu, Andrômaca e Vitório caminhávamos pelas pedras, quando ouvimos o já conhecido relinchar de Brumoso. Hércules foi até nós e me estendeu a mão para que eu subisse no cavalo. Eu aceitei e rindo, fomos nos afastando da praia, deixando para trás os primos que não se importariam nem um pouco de ficarem a sós.

Eu adorava, acima de tudo, conversar com Hércules. Era só com ele que eu conseguia me abrir. Contar-lhe tudo que eu sentia a respeito da minha vida em Dourada, da mãe que eu nunca conhecera, do rei Leopoldo que eu nunca fui capaz de cativar e como eu nunca me sentira totalmente parte daquele mundo de privilégios. Falávamos também de frivolidades, riamos de como Vitório era incapaz de dizer a Andrômaca que a amava. Dividíamos nosso temor quanto a união de Zoé e Luiz Fernando. Discordávamos e brigávamos sobre muitas coisas. Eu detestava Luiz Fernando, mas Hércules sempre arranjava uma maneira de defendê-lo. Eu tentava mudar o curso da conversa quando falávamos de Zambembe e quando ele percebeu isso, acabei admitindo que eu tinha ciúmes dele com Leona. Ele apenas riu e me garantiu que Leona não passava de uma amiga, mas que seu coração era espinhoso e frio, ao contrário do meu tão caloroso e aconchegante.

Para meu espanto, foi muito rápido que aquela vela que ardia por Pedro se apagou e em meu coração não parecia haver espaço para mais ninguém, que não Hércules, Andrômaca, Vitório e a família real de Conquistador. Esperei que meus sentimentos não fossem sempre tão voláteis assim. Mas eu ainda estava aprendendo a controlá-los e, portanto não podia saber que meu temor jamais se concretizaria.

Eu tinha ciúmes de Hércules, mas sempre procurei não demonstrar. Mas mal sabia eu que dentro de mim havia uma torrente de emoções com as quais eu nem sempre saberia lidar.

Em uma das últimas manhãs de maio eu acordei quando ainda estava escuro e o sol não era, senão uma promessa brilhante no horizonte. Eu não estivera com Hércules na noite anterior, pois havia sido a festa de aniversário de Heitor e como o príncipe completara dezoito anos havia saído durante ao entardecer com o rei e outros nobres para caçar algum animal em homenagem a Eudo. As mulheres haviam ido se deitar assim que eles partiram e eu descobri que não estava mais habituada a dormir sozinha.

Herdeiros Malditos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora