A AMEAÇA VEM DO SUL

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Irene e eu seguimos Zoé pelos corredores espalhafatosos do castelo, enquanto a pequena Flora segura nas mãos da mãe e caminha, tropeçando a cada dois passos. Eu sinto meu coração tão vacilantes quanto os passos da filha de Irene.

Seria aquilo uma brincadeira de mau gosto de Zoé? Meu relacionamento com Hércules sempre havia sido discreto, mas não era propriamente um segredo. Certamente nos anos em que ainda éramos todos felizes, Vitório deveria ter comentado com Flor, que contou para Irene, que mencionou a Luiz Fernando, que falou com Zoé, que se encarregou de espalhar a notícia pelos nove reinos de Adamina. Então sabendo dos meus sentimentos por Hércules, Zoé poderia ter armado alguma coisa.

Só aquele pensamento já traz lágrimas aos meus olhos, mas eu as seguro firme. Se tudo não passar de uma piada, não deixarei que Zoé tenha o prazer de me ver chorar.

Finalmente chegamos a um salão de portas fechadas, que Zoé abre sem grande cerimônia. Quando entramos, a primeira figura que vejo é Luiz Fernando com sua cabeleira ruiva. E então eu o vejo.

Hércules.

O rei que escapou.

É realmente ele quem está ali, a poucos passos de mim. Ele parece o mesmo, apenas com uma barba rala que cobre parte do seu rosto. Sua pele está mais morena, queimada de sol, seus cabelos estão mais compridos e suas roupas são as de um homem simples. Mas fora isso, fora esses pequenos e irrelevantes detalhes, ele é o mesmo.

Ele demora alguns segundos para me ver, para desviar sua atenção da conversa acalorada que estava tendo com Fernando. Mas quando nossos olhares finalmente se cruzam, eu explodo em lágrimas. Lágrimas de raiva e frustração.

– Elena... – ele fala, com sua voz rouca. Ouvir meu nome saindo de seus lábios é ainda mais doloroso do que vê-lo – Eu, eu não sabia que você estava aqui.

O que ele queria dizer com aquilo? Que se soubesse não teria aparecido? Não teria voltado do seu exílio de quatro anos? Não consigo responder e sinto Irene apertando minha mão, tentando me trazer algum consolo.

– O que você está fazendo aqui, Hércules? – Irene pergunta de forma fria, tomando meu partido.

Hércules abaixa a cabeça, envergonhado com toda aquela situação.

– Eu tinha de avisá-los. Sobre Leona.

Então ele estivera em Zambembe aquele tempo todo? Ele tinha corrido para os braços de sua amiga mais querida enquanto eu chorava todas as noites, sozinha em minha cama? Eu sempre soubera  do magnetismo que Leona tinha sobre Hércules, mas ouvir aquilo era doloroso demais para mim.

Como se pudesse ler meus pensamentos, ele fala apressado, atropelando as próprias palavras.

– Eu... meu barco... meu barco teve problemas e eu tive que ancorá-lo em Zambembe. Era a costa mais próxima. Fiquei lá uma semana, disfarçado de mercador de pérolas e foi durante esses dias que eu fiquei sabendo de tudo. Leona se casou.

Eu finalmente tomo coragem para abrir minha boca.

– Então você voltou apenas para nos comunicar essas feliz notícia? – falo com rispidez.

– Leona se casou com um pirata – Hércules fala com urgência na voz – Mas não qualquer pirata. Ela se casou com Corso Zentura.

Corso Zentura era um nome que todos nós ouvíamos de vez em quando, quando ele atacava um dos navios de mercadorias que viajavam entre Conquistador e Nova Nanuque. Mas ainda assim eu não entendia. Porque Leona se rebaixaria tanto, casando com um pirata de mercadorias e, acima de tudo, porque isso parecia ser tão importante para Hércules?

Herdeiros Malditos [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now