Capítulo 1 - JK ✨

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Água

A água estava em todo lugar, sufocando-me a cada tentativa de respirar. Caí no mar gelado como uma moeda velha, e quanto mais lutava, mais me afogava.

A sensação era tão dilacerante que doía até os ossos.

Então, um olhar me puxou daquele oceano, devolvendo-me o ar.

O susto sempre me desperta completamente encharcado de suor e enjoado. Detestava a sensação da repetição desse pesadelo, que constantemente surgia nos meus sonhos como uma peça de um quebra-cabeça mal resolvido.

- QUERIDO, VAI SE ATRASAR NOVAMENTE PARA À AULA - gritou tia Mercedes, e pela distância da voz, parecia vir da cozinha.

- EU JÁ ESTOU TROCADO TIA, DESÇO NUM INSTANTE - Retruquei enquanto puxava o edredom sobre a cabeça, numa tentativa falha de encontrar coragem. Com calma, pousei o pé no chão, sentindo a frieza do toque e o leve arrepio de um novo dia, um novo ano.

Caminhei a passos largos até o banheiro, cuja porta ficava em frente ao meu pequeno quarto. Tentei abrir a maçaneta, mas percebi que era inútil, pois estava trancada. Apoiei minha cabeça na parede, observando o corredor abarrotado de fotografias da família e, por um instante, me senti aquecido. Meu olhar se deteve em uma imagem em especial: meu aniversário de 7 anos. Eu irradiava felicidade com a decoração do Homem-Aranha. Havia balões desenhados com os personagens, um bolo colorido, chapéus de festa e... meus pais. Foi meu último aniversário junto a eles.

A saudade apertava o peito como um sentimento incompreendido. A ausência deles foi a principal motivação para meu amadurecimento precoce. Acreditava que, se fosse um bom garoto – independente e organizado –, meus pais voltariam para me buscar. Não me sentia abandonado, mas a dor era bastante semelhante.

A tranca que antes estava fechada se abriu, trazendo-me de volta à realidade. Meu tio, com uma toalha enrolada na cintura, saiu em meio ao vapor, cantarolando algo que tocava na rádio. Seus cabelos grisalhos combinavam com seu estilo brincalhão de artista. John era um artista contemporâneo, pintava quadros abstratos e escrevia poesias concretas. Não havia um dia sequer em que ele estivesse de mau humor. Sempre impecável com suas roupas manchadas de tinta e seu positivismo incoerente.

— Me diga, Jeon, sua tia já percebeu que você ainda não se trocou? — indagou ele. — Vá, vá, garoto, que eu te dou cobertura. Mas só porque é seu primeiro dia, ok? — Ele piscou sorrindo e caminhou pelo chão frio até seu quarto, logo à frente.

Morávamos em uma casa pequena, típica em Columbra. As paredes eram brancas, algumas ainda revestidas com um velho papel de parede, e o chão de madeira, já desgastado, contava inúmeras histórias vividas ali. Dona Mercedes, ou melhor, minha tia, detesta atrasos. Criada com uma disciplina militar na Coreia, ela é rigorosa com os horários, postura e até mesmo com a alimentação. Foi essa rigidez que me motivou a aprender a cozinhar doces e alimentos gordurosos em segredo, já que ela sempre me negava esses prazeres.

A água quente atinge minha pele como brasa fervente, liberando os pontos de tensão com a brutalidade do líquido. Me deixo levar pelo som reconfortante da água, respiro fundo e permito que qualquer preocupação mesquinha simplesmente vá pelo ralo. Sob minhas unhas, ainda resta o carvão que usei para pintar secretamente ontem à noite. Aqueles olhos nunca me deixaram em paz desde o acidente, e sempre que me sinto aflito, sinto a necessidade de desenhá-los, como se eles pudessem de alguma forma me devolver a paz perdida.

Após tantas esquivas, roubo as torradas prontas deixadas sobre a bancada e adentro na caminhonete azul bebê, já enferrujada, modelo Ford F-100, o verdadeiro amor da minha vida. Sua lataria não está das mais bonitas, com grandes pontos enferrujados e amassados. Apesar de seus pequenos defeitos, foi comprada com o meu próprio dinheiro, suado e ganho no balcão do Bobble, um restaurante vintage temático no centro da cidade.

LÓTUS (pjm+jjk)Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum