Pequenas simples coisas.

Pra não dizer que não falei dos espinhos.

Há quem silencie as tristezas da vida, a fim de inspirar uma alegria enérgica e impossível. No fim das minhas férias, presenciei o que viria a ser necessário pra minha formação como pessoa. 

Em uma cidadela rural próxima da fazenda vive um casal de idosos, meus tios. Um dia decidimos visitá-los, sem aviso prévio mesmo. A tia já havia comentado que estava morrendo de vontade de comer galinha caipira, então minha mãe cozinhou uma panela enorme de galinhada e pra lá partimos. 

Chamamos... Chamamos... Mas ninguém ouviu. Como são idosos, a audição já é comprometida, logo entramos batendo palmas e avisando da chegada. A casa é escura e tem um clima de tristeza instaurada, um abandono nítido, que pode ser confirmado pelo negro nas paredes da cozinha, o escurecimento causado pela fuligem do fogão de lenha. Ah, o fogão de lenha. Ali na beira estavam os dois, sentadinhos, um de frente pro outro. 

Caladinhos, se demoraram no reconhecimento dos nossos rostos, processando a visita em silêncio. Minha mãe foi quem se pôs a abraçá-los, abrindo mão da saudade. Não demorou pra contar da galinha, preparada com tanto carinho. Fomos repreendidos por uma exclamação desanimadora: eles já haviam almoçado. Estavam cheios. Dois ovos cada. Eles haviam almoçado, dois ovos cada. Dois ovos, cada. Foi o almoço.

Tive que sair pra chorar. Não é novo que existe dificuldade para todos. Veja bem, eles tem certa carência, mas não é pra tanto. Havia arroz nos armários, galinhas no quintal, goma na dispensa. Mas não havia mãos firmes que preparassem o alimento. Estavam sozinhos no fim da vida, caminhando a passos lentos, carregados de desamparo. 

Não quero entrar no mérito de que nem a dezena de filhos vivos foi o suficiente para  garantir-lhes dias felizes. O prazer em se estar vivo, esse não era visto em seus olhos. 

Ali pude perceber algo. A vida é curta, e se liquefaz. Não somos eternos, e sem amor, somos sozinhos. Ao menos, caladinhos, eles tem um ao outro.