memórias que vagas se perder

656 54 138
                                    

●❯────────「⊙」────────❮●

Levantei apressado. Estava ensolarado, mas a brisa soprava era leve. O trinca-ferro assobiava atiçado sobre a soleira da minha janela; seu doce canto, mas um pouco rígido, criava-me despretensiosas imaginações; abri a janela espantando a escura ave, deixando um único raio do sol alastrar-se por todo aquele cômodo, bem como todo o seu calor.

A paisagem, que meus olhos atentos captavam, as cores que nos ventos se concretizavam e o cheiro primaveril em alentos de puras fragrâncias que exalava do rebento floral.

Ouvi alguém dizer: — a plantação de feijão lá em cima tá que é uma beleza, sô. As fileiras tão dando mais de quinze quilômetros já plantados, já uai. É cada Fava mais bunita é viçosa que a outra. Parece inté que "eza" tá impaciente pra se' capinada, memo...

Apontei a cabeça na sacada pra ver. Era Epaminondas, com seu jeito arretado. Era um sujeito arretado, um pouco arcado, de cabelos grisalhos e a barba é fincuda, pendendo pra baixo.

— Que beleza então que vai ser essa colheita! Hein, homem!? — Vovó disse parecendo maravilhada.

Ano passado essa mesma porção de terra produzira apenas potentilha, amora-brava, erva-de-são-joão e afins,doces frutos silvestres e flores agradáveis, a produzir agora esses grãos, pelo visto transbordando até o fim da vista esverdeada, polvilhando esperança. Imaginei-me nadando no grande campo de feijoeiros e as favas eram tão grandes que eu podia montar em cima delas e sair galopando, no solo, que antes mole agora firme, se estende até onde eu não consigo imaginar...Não acabava nunca. Fiquei estirado na janela, ouvindo abafada conversa, transbordando.

— E tá com uma folhagem larga bonita de botar os zói, — falou Epaminondas jogando milho pros gansos. — Meu fertilizante é orvalho que cai sereno do céu e as chuvas mandadas por São Pedro, que vão regano esse solo seco aí... Dia de São Pedro vou até mandar faze'uma festança, vai vendo só, muíe...

Vovó com seu grande chapéu de palha de carnaúba e o florido avental estava lá em baixo alimentando também os gansos, ao virar-se olhou para cima notando-me, acenou-me carinhosamente balançando uma de suas mãos, fiz-lhe um aceno também. Desci as escadas às pressas. Sentia o cheiro agradável de ovos mexidos. Sobre a mesa meu desjejum já me esperava: justamente os ovos mexidos, mas também tapioca e uma grande tigela de geleia de morango. Na verdade eu sempre gostei de tapioca com mel, mas olhando para o pote no armário pude perceber que estava vazio, terrível desencanto.

Depois de devorar aquilo tudo e conseguir um grande volume na barriga, decidi que queria ajudar minha vó a alimentar as criações, mas quando virei a porta da cozinha, deparei-me foi com uma sucessão de gansos loucos e raivosos a atacar uma pequena menina que assustada tentava se defender avançando em saltos pra cima deles. Rapidamente assustado, eu peguei a vassoura feita de ramos de alecrim e parti pra espantar os malucos descontrolados.

— Xôooo! Xôooo! Saiam já! —, ladrava eu contra eles, mas eram atrevidos e queriam também me atacar, eu achei que estava sendo um bom herói, como o Batman, mas acabei sendo apenas um inexperiente espantador de gansos. Sem alternativas, segurei nas pequeninas, porém quentes mãos da menina e levei-a para dentro de casa. — Ufa! —, suspiros de alívio. —, desculpe perguntar... —, eu realmente não queria soar indelicado. — ... Mas o que diabos está fazendo aqui na casa da minha avó?

— Estou fugindo dos gansos! —, a menina da pele cor de canela me respondeu em uma total normalidade. Vagava os olhos prestando atenção nas coisas ao redor.

— Sim eu vi... mas o que eu quero saber é como é que você veio parar aqui. —, coloquei a mão na testa como se eu fosse um adulto prestes a investigar o curioso caso da menina atacada por gansos, no caso, os meus gansos.

A Ursa e o LoboWhere stories live. Discover now