na toca da bruxa, na porta de casa

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Não era perto, mas também não era tão longe, era no mínimo distante. A distância entre dois pontos que distanciados pela emoção agora giram como átomos perdidos, afagados, solitários em busca de alguma razão.

— Daqui eu num posso passar, — falou o Saci meio desconcertado. 

— Ah..., — lamentei meio decepcionado, — poxa, mas porque? — Havia gostado tanto daquele cara. 

— Se a bruxa lesma perceber presença mágica no seu território na certa despertará se dormindo estiver, ou se tiver saído, pronto já como estrela cadente despontará no negro céu. — Disse. — Portanto, melhor que daqui pra frente sigam sozinhos. Pelo menos minha parte sei que fiz, trouxe-os em segurança como disse que iria trazer. 

Cruzamos o caminho sem muito esforço; pelo menos pela parte de Loopy, pois confesso que estava um pouco temeroso e já cogitava a possibilidade de desistência e esquecer para sempre meu nome, mas a coragem de minha companheira de aventura me era fonte de entusiasmo; a fronteira que separava o bosque do grande estepe: a ponte. Aquele rio que corria charmoso bem de baixo de nós, diferentemente daquele outro dia, me assustava um bocado. Saci ainda nos vigiava, de longe, por entre as árvores, escondido entre as hastes de bambu. 

— Sabe o que que é, Loopy é... É que eu tenho medo de sair do bosque. —, declarei um pouco rubro. — Me sinto mais seguro aqui dentro. Me vejo abraçado pelas árvores e protegido pela terra. —, eu disse isso abraçando uma grande árvore de copaíba que ficava bem próxima a ponte.

— Não tenha medo bobinho, — ela, a sua quente e macia mão alegremente me estendeu. Seu semblante iluminado pelas fagulhas leitosas da lua cheia a desfilar pelo escuro e pontilhado céu de estrelas me relaxava os ânimos. Ela já não era mais uma menina coelha como antes, mas sim uma menina humana como eu. — Já chegamos até aqui. Saci prontamente nos guiou... Devemos bravamente continuar!! — Bradou otimista. — Eu estava tentando ir à casa da bruxa buscar meu nome quando os gansos dela me atacaram, mas você salvou, — contou-me com certo saudosismo na sua entonação.

— Mas, como você foi parar do outro lado? —, me referi sobre como havíamos nos conhecido.

— Algumas coisas são inexplicáveis. Na verdade eu posso dizer que foi uma grande serendipidade. Tudo estava indo de mal a pior, mas até então tava normal, aí de repente quando fechei os olhos a espera da minha sangrenta sentença, doloroso castigo, a guerra calorosa entre o conciso perceber e o surreal fantasiar, eu me descobri no seu quintal; mas ainda assim atacada por aqueles bravos gansos. — Gargalhou com um jeitinho tão sereno, sussurrando tranquilidade ao meu espírito; fiquei-me então menos medroso. Sensação inefável.

— Como foi que perdeu seu nome? —, perguntei esfregando os pés um contra o outro.

— Ainda está perdido, — desapontada respondeu-me.
Sua testa franzida me deixou um pouco preocupado.
— Eu não sei meu nome de verdade, não sei quem sou de verdade e não sei exatamente por que eu preciso saber disso, mas eu sinto que estou lentamente a me desmaterializar como se estivesse perdendo a minha forma. Sabe? — Tinha os olhos esbugalhados, e as mãos lentamente subiam, indo de encontro com a cabeça; perturbada. — Sinto-me como se estivesse perdendo o meu limite, meu molde e essência. Você não pode ficar muito tempo sem seu nome ou logo deixará de existir e em breve ninguém mais se lembrará de você, nem mesmo você mesmo...

Enquanto Loopy envolvia sua redonda cabeça com as mãos, como se estivesse sentindo uma terrível dor, uma sensação assustadora ia me deixando cada vez mais apreensivo.

— Eu não consigo me lembrar quem eu sou e também não consigo me lembrar quando foi que deixei de lembrar de todas as coisas!!

Completamente atordoada agachou-se com as mãos em fulgor, forçando-as ainda contra a sua cabeça, como se quisesse obrigar seu cérebro a se lembrar, como se fosse capaz de adentrá-lo com os dedos e resgatar as memórias perdidas, já esquecidas. Ainda dentro daqueles olhos um desespero: — E desespero-me ainda mais toda vez que me lembro de tentar lembrar. — Sofreguidão ante posta a mim e eu deveria permanecer imóvel, como um aqueduto?
— Está tudo bem Loopy...

A Ursa e o LoboWhere stories live. Discover now