28 - Olhos de Jabuticaba

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          Uma semana se passou e Duda finalmente sairia do hospital. Diego passou os dias tentando recriar o vínculo que um dia teve com Nicole. Lutava para não pensar em Duda, mas bastava fechar os olhos para que ela invadisse sua mente. Neste meio tempo a visitou mais uma vez, mas na companhia de Laura, justamente para não cair em tentação. Jonathan e Daniela conversavam diariamente, mas não se viam desde o dia do hospital.

          Duda abriu a porta e o calor aconchegante a fez se sentir em casa. O cheiro de pão de queijo no forno se alastrava por todos os cômodos, despertando a fome de quem só se alimentou da comida sem graça de hospital por duas semanas. Diego e Gabriela a aguardavam ansiosos. Assim que botou os pés dentro de casa, foi surpreendida por um abraço dele. Não foi um abraço romântico, foi diferente de todos os que deram no hospital. Uma mistura de saudade e felicidade. Ela parecia sumir dentro dos braços longos que a envolvia. "Obrigado por estar viva", murmurou em seu ouvido.

***

          Mais dois dias se passaram. Laura e sua família voltariam para São Paulo na manhã seguinte. Mônica reservou uma mesa na pizzaria do centro para um jantar de despedida. Todos estavam presentes, Mônica e os filhos, Laura e os filhos, Pedro, Maria e...

          "Nicole, o que você está fazendo aqui?!", Diego sorriu sem graça, fingindo animação. "Sua mãe me convidou, disse que queria a... família reunida", respondeu tão constrangida quanto ele. Enfatizou o final da frase encarando Duda, que sentiu o rosto queimar.

          Nicole se sentou ao lado dele, bem de frente para Duda. Jonathan e Gabriela se entreolharam apreensivos, essa seria a primeira vez que as duas estariam frente a frente.

          Diego passou o jantar inteiro monossilábico. Não conseguia encarar nenhuma das duas. "Para quando é o bebê?", Laura perguntou na tentativa de interagir com a moça. Duda sentiu o estômago revirar. "Até o final de março", Nicole respondeu com um sorriso forçado.

          Jonathan percebeu o incômodo da irmã e mudou de assunto, perguntando para Pedro como as coisas estavam no sítio. Enquanto seu tio-avô contava as novidades, Nicole chamou o garçom e pediu um vidro de ketchup. Duda e Diego se entreolharam e precisaram morder as bochechas para conter o sorriso. "Herege!", ele disse baixinho, a fazendo engasgar com o sopro de risada involuntária. Por um segundo sentiram que, lá no fundo, ainda eram os mesmos amigos bobos de sete meses atrás.

          Mônica e Laura pagaram a conta e foram levar Maria e Pedro de volta para o sítio. Diego, Jonathan, Gabi, Duda e Nicole ficaram pelo centro, mais precisamente no único bar aberto em plena terça-feira. Jonathan ligou para Daniela, precisava vê-la antes de ir embora. Estava tarde e ela trabalharia na manhã seguinte, mas também queria encontrá-lo uma última vez.

          Ele sorriu ao ouvir o barulho inconfundível do motor do Fusca se aproximando. "Se você me avisasse mais cedo eu teria mais tempo para me arrumar!", exclamou enquanto saía do carro. Ela estava linda, para variar. Os cachos estavam úmidos e ela usava um vestido cinza de moletom e os tênis vermelhos. Sua boca se destacava com um batom vermelho. Daniela era muito extrovertida, chegou na mesa conversando com todos, abraçando Duda como se fosse amiga de infância.

          "Ao fim dessas semanas difíceis!", Gabriela ergueu o copo. Todos brindaram com sorrisos nos rostos. O sorriso de Duda se desfez ao passo que Nicole deu um beijo estralado em Diego. Pediu licença e foi até o banheiro, não conseguia ver aquilo sem se sentir mal.

          Apoiou as mãos na pia e abaixou a cabeça, se concentrando em superar a cena e voltar para a mesa com um sorriso estampado. Ouviu alguém entrar logo em seguida. "Então você é a Duda, né? Acho que não fomos apresentadas". Duda olhou pelo espelho e viu Nicole estendendo a mão com a boca fechada em um sorriso forçado.


– Você sabe que sim – estende a mão.

– É um prazer conhecer a prima que o Diego tanto falou. Pena que não parece ser recíproco, né?

– E por que não seria?

– Não sei, você não parece muito à vontade com a minha presença.


          A hostilidade de Nicole fazia Duda revirar os olhos. "Eu não tenho que gostar de você, Nicole. Isso é obrigação do Diego", respondeu enquanto lavava as mãos. Nicole se apoiou ao lado dela e a encarou através do espelho. "Exatamente. A obrigação dele é gostar de mim... mas não é de mim que ele gosta". Duda não respondeu, secou as mãos na roupa e voltou para a mesa. Nicole saiu do banheiro pouco depois com os olhos vermelhos, se despediu de Diego e foi embora sem dar mais explicações.

          Tomaram mais algumas cervejas antes de sair, com exceção de Duda, que passou a noite somente com água. Daniela estacionou o Fusca em frente ao prédio e os quatro desceram. Antes de subir com Diego e Gabi, Duda se despediu dela com um abraço apertado, agradecendo por tudo e desejando vê-la novamente. Jonathan encostou no portão, roendo as unhas.

          "Bom... acho melhor eu ir...", Daniela colocou as mãos no bolso do vestido e virou as costas. "Espera", ele apoiou a mão em seu ombro, a fazendo sentir um leve arrepio percorrer seu corpo. Se voltou para ele, que segurou suas mãos geladas com firmeza.

          "Você não achou que depois de ficar um tempão pensando na moça que deixei passar, eu ia embora sem me despedir?", ele encarava seus brilhantes olhos de jabuticaba enquanto ajeitava um cacho atrás de sua orelha. Ela respondeu apenas com um sorriso.

          Jonathan passou os braços ao redor de sua cintura e a puxou para perto. Daniela abraçou seu pescoço e ficou na ponta dos pés, deixando seus sorrisos mais próximos. Ele se inclinou e a beijou pela primeira vez. Ela sentia seu coração pulsar mais forte. Ele não conseguia definir o que sentia, só sabia que era intenso. Os dois permaneceram ali por uma hora, trocando carinhos, beijos e olhares, sem se lembrarem que no dia seguinte tudo aquilo acabaria.

***

          Todos já estavam prontos antes mesmo de amanhecer. Se despediram de Mônica ainda no apartamento. Diego e Gabriela os levaram até a rodoviária. Depois do acidente, o carro de Laura deu perda total e eles não tinham outra opção senão as longas onze horas de estrada dentro do ônibus apertado.

          Chegaram na plataforma e o ônibus já estava estacionado, proporcionando pouco tempo para despedidas. Laura agradeceu por todo o apoio nas últimas semanas e foi guardar as malas antes de embarcar. Jonathan deu um forte abraço nos primos e agradeceu por todo o cuidado e preocupação.

          Duda abraçou Gabriela e se desculpou por ter mentido sobre tudo. Gabi respondeu que sabia que ela não fez por mal, que não tinha o que desculpar. Se dirigiu a Diego um tanto quanto envergonhada. Não disse nada, somente o abraçou. Ele a apertou em seus braços e abaixou a cabeça até seu ombro, permitindo que qualquer coisa que dissesse fosse ouvido somente por ela. "Vai ficar tudo bem", sussurrou. Ela assentiu com a cabeça e, com muito custo, embarcou.

          Diego ficou parado, encarando o ônibus até que ficasse somente uma plataforma vazia. Se deu conta que talvez esse tenha sido o último abraço em muito tempo. Não sabia quando e nem mesmo se a veria novamente. Gabi abraçou o braço do irmão e chamou sua atenção para o relógio, ele ainda precisava trabalhar.

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Buenos días! Como estão?
Sei que o capítulo de hoje foi curtinho, me perdoem por isso...
Mas eu garanto que o de quinta-feira vai compensar, não pelo tamanho, mas por um pequeno detalhe :x

Ah, não se esqueçam de deixar a estrelinha, e comentem bastante! ♥
Vejo vocês na quinta!
Beijinhos ♥

ImperfeitosWhere stories live. Discover now