36 - Cheios de nós

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          Vinte e três de novembro. O sol entrava pela fresta da janela, mas não acordou Diego. Não acordou porque ele sequer dormiu. Passou a noite tamborilando os dedos no peito enquanto encarava a escuridão do quarto. Até tentou dormir, mas quando dava por si, estava de olhos abertos novamente. Não que fizesse muita diferença, todo o breu do cômodo era o mesmo que manter os olhos fechados. Evitou pegar o celular, sabia que acabaria vendo e revendo dezenas de vezes as mesmas fotos das viagens para São Paulo. Por fim, passou todas as horas encarando vazio até que aqueles raios solares atingissem seu rosto.

          Ouviu toda a falação de sua mãe e sua irmã vindo da sala e se enterrou ainda mais em seu colchão. Mônica abriu a porta de supetão, fazendo toda a claridade se instalar de uma só vez.


– Diego, acorda! Eu e a Gabi estamos indo para o salão, vê se levanta logo para não perder a hora. Seu terno está esticado em cima da minha cama, cuidado para não amassar. Você tem que chegar na igreja antes das onze, pelo amor de Deus, não se atrase!


          Mônica saiu batendo a porta antes mesmo que o filho pudesse responder. Estava atrasada e ansiosa. Ele esperou o barulho da porta da frente para poder levantar. Foi até o banheiro e jogou água no rosto. Suas olheiras não estavam tão fundas quanto imaginou. Abriu o chuveiro e entrou debaixo da água fria. Mesmo não estando com sono, precisava despertar.

          Diego saiu do banho e sentou-se todo molhado na cama. Olhou em volta do quarto e viu as poucas caixas que sobraram em cima do armário. Puxou a porta do guarda-roupas e já não havia mais nada. As coisas foram embora aos poucos e só naquele momento ele se deu conta de que aquele quarto não era mais o seu refúgio, que ali não era mais sua casa.

          Ficou tanto tempo perdido em lembranças que quando se deu conta, já eram dez horas e ele estava a um passo de se atrasar. Correu até o quarto de Mônica e vestiu o terno. Se olhou no espelho e sentiu como se a gravata estivesse mais apertada que o normal, tamanho o nó em sua garganta. "Chegou a hora", disse para o espelho antes de espirrar um pouco de perfume.

***

          "Acorde, Maria! A gente tem que ir para a festa!", Duda acordou com Olivia pulando em sua cama. Se levantou agitada, não acreditava que acabou dormindo até tarde em sua primeira semana de trabalho. Colocou um moletom e desceu as escadas correndo para preparar o cereal das crianças, mas encontrou Elisa de pijamas assistindo televisão.


– Me desculpe, Elisa, acabei perdendo a hora! Vou fazer o café deles rapidinho e já deixo tudo no jeito pra gente sair.

– A Olivia te acordou também, né?! – ri.


          Duda a olhou sem entender. Elisa riu e apontou para o relógio na cozinha. Sete horas. "Ela está ansiosa, coitada. Faz tanto tempo que não vai em uma festinha que me acordou agora às seis perguntando se a gente não estava atrasada". Duda se jogou no sofá ao lado de Elisa e respirou aliviada. Olivia abriu um sorriso banguela e saiu correndo para brincar.

***

          Jonathan deixou a mãe e os tios na igreja e foi até a casa de Diego para buscá-lo. Chegou no prédio e ele o aguardava de cabeça baixa, encostado no portão. "Não sei que ideia é essa de não poder ir de moto", resmungou. "Não pega bem o noivo descabelado no altar, com a roupa cheia de poeira", Jonathan tentou descontrair. Diego expeliu uma risada rápida e entrou no carro. Ficou olhando a paisagem correr pela janela. "Aqui não é a igreja", afirmou com certa interrogação na voz quando Jonathan estacionou em frente a uma casa qualquer.


– Eu sei.

– Por que parou aqui?

– Você quer conversar? Você não tá bem, eu tô vendo.

ImperfeitosWhere stories live. Discover now