Um

2.9K 215 131
                                    

Sakura ouvia o álbum Up All Night da One Direction deitada na cama de Sasuke, ar-condicionado no 16, como se fosse uma sexta-feira qualquer. O que mudava o padrão das coisas era o quão cheia a mochila dela parecia, e a quantidade de vezes que ela tinha roído as unhas desde que chegou.

- Que horas pretende dizer o que 'tá havendo?

- 'Tá tudo normal, ué. Por quê?

Sasuke tinha muitas virtudes, mas paciência não era uma delas.

- Saiu de casa às 2h da manhã e me acordou por nada?

Ela não respondeu de cara. Cutucou as cutículas machucadas, passou pela playlist do álbum e encarou o teto algumas vezes antes de finalmente suspirar.

- Lembra quando eu fiquei com uma menina na festa de Ino?

- Vagamente.

- Não prestei atenção, mas parece que tinham uns adultos por perto e eles viram e tiraram foto. Mandaram no grupo da igreja dos meus pais.

Sasuke tirou um tempo para absorver a informação. Diferente de Sakura e de Naruto, ele pensava antes de reagir. Não sabia se era por causa da sua dificuldade de realmente sentir coisas, uma vez que tinha depressão, ou se era um traço de personalidade. Ponderou se Sakura parecia machucada, mas ela estava de moletom da cabeça aos pés. A mochila cheia era um indicativo de parte do que podia ter acontecido.

- Expulsaram você de casa.

- É. E não foi só isso. Eles me bateram também.

Sakura tirou a blusa do moletom revelando marcas roxas pelo braço.

- Tem nas pernas também.

O primeiro instinto de Sasuke foi chamar a polícia, mas, repito, ele sempre pensava antes de reagir. Sasuke aguentou anos de castigos físicos e psicológicos sem denunciar, e até perdoou o pai. Ele não era tão bom em se colocar no lugar das pessoas, embora tentasse, mas uma vez que já tinha genuinamente estado neste lugar, era fácil entender que ela não pretendia denunciar. Além disso, os pais dela não tinham outros filhos. Não apresentavam perigo para mais ninguém. A preocupação dele tinha que ser, portanto, mantê-la longe deles.

- Eu mandei áudios para os pais de Ino explicando o que aconteceu. Ainda não responderam, mas eu sei que não vai ser problema. Eu sempre quis ir morar com eles, e agora tenho um motivo - ela deu uma risada sem graça e Sasuke suspirou indo se sentar ao lado dela.

Os pais de Ino eram padrinhos de Sakura. As duas eram melhores amigas desde sempre. Eram da igreja dos pais de Sakura, mas eventualmente começaram a frequentar outro lugar, um que não tivesse foco em discurso de ódio e violência. As famílias Yamanaka e Haruno acabaram se afastando, mas não Sakura. Ela permaneceu inseparável de Ino e dos pais da amiga.

- Você quer que eu te leve no hospital? Podemos falar que você caiu de moto.

- Difícil eles acreditarem, só tenho pancadas, nenhum arranhão. Vão achar que você é meu namorado e me bateu.

Sasuke revirou os olhos.

- Falamos que você caiu da escada, então. E todo mundo nessa cidade sabe que eu sou gay. Ainda mais no hospital, né.

Sakura assentiu, lembrando que o irmão de Sasuke era cirurgião no hospital. A cidade era pequena, todos se conheciam. A fofoca de que o irmão do neurocirurgião calado era gay se espalhou rápido dois anos antes. O namoro de Sasuke com Naruto, inclusive, era público.

- Ok, podemos ir. Sasuke, mais uma coisa.

- Sim, madame?

- Não conta pra Naruto. Ele ainda 'tá com muita coisa na cabeça. Não quero que fique preocupado comigo.

Sasuke teria discordado em qualquer outra situação. Mentir para o namorado estava fora de cogitação. Sasuke nunca mentia. Mas Naruto estava visitando a família depois do falecimento do avô. Ele era a pessoa mais empática e emocional do mundo, e saber a situação de Sakura o preocuparia demais, principalmente quando ele já estava tão emocionalmente quebrado.

- Tá bom. Mas você vai contar assim que puder.

- Vou, sim. Obrigada por fazer isso por mim, Sasuke.

No hospital Itachi não chegou a vê-los, provavelmente preso em alguma cirurgia, e os enfermeiros e técnicos não fizeram muitas perguntas, apenas encaminharam Sakura para os exames necessários.

- Que ótimo jeito de começar o último ano. E eu que achei que terminar o ensino médio ia ser meu maior desafio - ela disse enquanto aguardavam alguns resultados.

- Um gostinho do que é ser adulto. O mundo desabando nas suas costas, mas a vida não para.

O Sol Vai VoltarOnde histórias criam vida. Descubra agora