Fica pra janta

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Parece que ele se esforçou ao máximo pra não fazer barulho no portão, porque não deu para perceber que ele havia chegado até abrir a porta. Rapidamente me soltei do abraço e me afastei das duas. Antes que ele fechasse a porta, deu pra notar que já havia escurecido.

- Oi.
- Papai!

Gisele praticamente pulou do colo da mãe, porque em questão de segundos já estava abraçando o pai.

- Oi filha, tá melhorzinha?
- Sim, a tia Clara cuidou de mim.

O olhar de Júlio desviou até mim.

- Oi, Clara. Tudo bem? - Ele perguntou.
- Tudo.

Não estava nem um pouco afim de puxar assunto com o ex-marido escroto da mulher que eu estava afim, que coincidentemente também era meu ex-professor escroto.

- Tá fazendo o que aqui? - Disse ele, se levantando e vindo em minha direção.
- Eu chamei ela pra cuidar da Gisele enquanto eu resolvia minhas coisas do trabalho.

O olhar que Júlio deu para Catarina foi ameaçador, como se ele a estivesse julgando por ter chamado alguém para cuidar da filha deles. Babaca, ele que deixou ela sozinha com a criança.

- Ah sim, e você gostou, filha?
- Uhum! - Disse Gisele, ao lado do pai, abraçando-o enquanto ele estava com a mão em seu ombro.
- Ótimo!

Júlio estava olhando para mim com um olhar estranho, e eu estava me sentindo extremamente desconfortável.

- Bom, vou embora agora, já tá tarde.
- Fica pra janta, Clara. - Disse ele, segurando em meu braço esquerdo.

"Tira a porra dessa mão nojenta de mim", eu pensei. Mas infelizmente não podia falar isso. Olhei para Catarina, será que ela percebeu o mesmo que eu?

- Não posso, marquei de sair com as meninas 20:30. Catarina, me leva até lá fora?
- Levo, vou pegar a chave do carro e eu te levo em casa.
- Ainda são 19:57. Dá tempo de jantar e sair com elas - Insistiu ele.
- Eu vou comer lanche, não precisa.
- Você não quer que a Clara fique, filha?

Apelar para a criança, ele realmente fez isso. Se esse cara ta pensando que vai tentar alguma coisa comigo, ele tá totalmente enganado.

- Fica, tia Clara.
- Eu não posso, Gi. Mas eu volto outro dia, pode ser? A gente almoça juntas. Mas eu preciso ir agora.
- Ta bom...
- Certo, então você volta outro dia... - Júlio sorriu, mas não com um sorriso normal - Então vou te levar até lá fora, vem.
- Eu vou levar ela em casa.

Júlio olhou novamente com o mesmo olhar de antes para Catarina. Deslocou a mão até o meu ombro e apertou.

- Então tchau.

Me virei rapidamente de modo que ele tirasse a mão de mim e me dirigi até a porta.

- Tchau. Tchau Gi.

Nem dei um abraço na garota, não queria ficar nem mais um segundo naquela casa com aquele cara. A menina acenou com a mão. Catarina abriu a porta, depois o portão, e desativou o alarme do carro. Saímos em silêncio, até entrarmos no carro e fecharmos as portas.

- Catarina.
- Não fala nada.
- Amor...
- Não...fala...nada.

Ela colocou a mão no volante, mas parecia que algo a estava impedindo de ligar o carro. Percebi suas mãos apertando a borracha de proteção do volante mais do que o normal. Permaneci em silêncio, e aquilo me matou por dentro. Ela definitivamente tinha percebido que o Júlio havia tentado flertar comigo. Mas ela estava com raiva de mim ou dele? Eu queria falar com ela, falar que eu não queria aquilo, que havia sentido nojo dele, mas sabia que qualquer palavra poderia fazê-la sentir ainda mais raiva. Sem dizer absolutamente nada, Catarina ligou o carro, colocou em 1ª marcha e começou a dirigir. Cada esquina que ela virava ficava mais próximo de onde eu desceria, ou seja, menos chances de ela falar comigo. Olhei o horário no meu celular, 20:08, não daria tempo de chegar na praça se ela me levasse em casa, era melhor já descer lá perto.

- Me deixa perto da praça?
- Tá.

Sem nenhuma pergunta, sem questionamentos, ela só concordou. Continuou dirigindo até chegar lá. Parou o carro ao lado da calçada e destrancou as portas.

- Catarina...
- Clara, por favor.
- Eu... Eu não...
- 20:15, vai se atrasar. Toma o dinheiro.
- Eu não quero dinheiro.
- Pega o dinheiro, Clara.
- Não quero din...
- Eu não vou falar de novo.

Ela estava me tratando como se eu fosse uma daquelas alunas que interrompem a aula durante a explicação. Realmente não queria falar comigo. Eu queria insistir, mas ela não parecia estar afim disso, o que poderia mudar tudo. Suspirei, peguei a nota de 20 reais que ela havia me dado, abri a porta do carro e saí. Assim que eu fechei a porta, ela acelerou e foi embora, sem nem olhar pra trás.

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