Sexta

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   "É... Eu odeio."

   As palavras ecoaram pela sala e Taehyung ficou imenso até destruir tudo a sua volta. Eu tinha que fugir, mas como fugir de algo assim? Ele tava atrás de mim e eu já não aguentava mais correr. Caí. Me viro só para ver seu pé gigante prestes a me esmagar e... Acordo suado e ofegante, com o alarme gritando para que eu me levantasse, mas não quero. Não consigo e não quero. Não quero ir para aquela escola, não quero ter que me despedir silenciosamente dele.

   Taehyung.

   - Ah! Que saco?!

   Deixo o alarme tocar e me escondo nas cobertas, até ouvir a porta se abrir.

   - Filho? - ouço a voz da minha mãe e logo sinto o colchão afundar. O alarme para. - O que tá fazendo? Já está na hora de ir para a escola.

   - Não quero! To me sentindo doente. - tusso forçadamente.

   Sou descoberto de repente e vejo a face meiga e cuidadosa da mulher sentada a minha frente, vindo com a sua mão em direção a minha testa o que me faz piscar forte.

   - Não... Não tá com febre. - constata me dando tapinhas no peito como incentivo. - Vai pra escola. - se levante.

   - Mas, mãe...

   - Sem "mas", Jungkook. - falou firme, mas ainda suave. - Poxa, filho. Você até arrumou as suas coisas antes de todo mundo pra poder ir pra escola essa semana! Hoje é sexta, o último dia, você vai sim! - ordena, rumando quarto afora.

   Que droga. Pelo menos não teria aula com ele hoje. É... Pelo menos...

    Focando nesse pensamento, me levanto para me arrumar meio arrastado. Tomo meu café meio arrastado. Vou para a escola meio arrastado. Me dirijo para a sala meio arrastado. E ainda assim, meu coração insistia em estar acelerado. Eu queria vê-lo e queria mais que tudo. Queria me desculpar, dizer que na verdade o amava, por mais que não tivesse esse direito. Eu só queria ser sincero,mas não conseguia. Talvez fosse melhor deixar tudo isso morrer, já havia perturbado sua vida o bastante.

   Quando o sinal do recreio tocou anunciando a pausa da aula que sequer lembrava qual era, continuei na minha mesa com a cabeça enterrada nos braços até que o professor me obrigou a sair. Entre suspiros, me arrastei para fora.

   - Jungkook...

   Essa não. Olho para o lado só para ver o dono da voz me encarando sisudo. Não que eu precisasse. Mas eu queria, merda, como eu queria. Queria abraçá-lo com toda a força que tinha até sentir que nossos corpos pudessem se fundir e beijá-lo com todo o calor que eu emanasse para derretê-lo em mim, mas em vez disso eu só corri. Corri porque era mais seguro, porque era mais fácil, porque seria menos dolorido. Eu só corri. Fugindo como sempre.

   - Jungkook! - o ouvi me chamar e quase vacilei, mas não parei.

   Aquilo tudo tinha que acabar.

   Depois de fugir cuidadosamente pela escola para não ser pego ou dar de cara com ele, acabei na quadra interna. Peguei meu celular e tentei pedir para minha mãe me buscar, pois realmente não estava me sentindo bem, mas ela me recusou com fervor. Sem escolha, voltei para a sala como um gato assustado. Tudo se arrastou enquanto eu tentava prestar atenção em qualquer coisa que o professor dizia sobre a literatura coreana para me distrair dos pensamentos insistentes sobre Taehyung, mas não estava dando certo. Tudo o que vinha a minha cabeça era o macio dos lábios dele contra a minha boca, me fazendo corar e ser tomado por uma tristeza sem tamanho.

   Quando o sinal do fim da aula finalmente tocou, arrumei minhas coisas o mais rápido possível e saí em disparado para a porta, mas esbarrei em um corpo forte que me segurou pelos ombros para que eu não caísse.

   - Descul... - fiquei paralisado ao perceber quem era.

   Taehyung. De novo.

   Sem uma palavra e com a cara amarrada e impaciente, ele entrelaçou os dedos nos meus e me puxou pelo corredor sem ligar para os olhares confusos que recebíamos. Nos guiando até sua sala, fechou a porta atrás de si e soltou a minha mão. Andou devagar até a sua mesa e apoiou um punho na mesma de costas para mim.

   - Para alguém tão inteligente, você é bem burro. - ele disse, com uma voz... Magoada? - Eu falo que apago sua foto e você nem sequer confere? - ele se virou para mim, com um sorriso triste.

   Não pode ser.

   Pego meu celular tremendo e abro a galeria só para confirmar e lá estava ela. Meus lábios nos do professor a minha frente, se chocando em um beijo, os olhos chocados e confusos dele que me fazem querer rir um pouco. Mas não rio. Me sentia burro e confuso por ter visto antes. No mesmo dia tinha usado o celular para ligar para minha mãe e mesmo assim... Tão perto.

   - Por... Quê? - meus olhos começavam a marejar. Eu não entendi.

   - Eu não sei, eu... - sua voz se tornou um sussuro. - Não consegui.

   - Mas o senhor disse... Disse que me odiava... - a primeira lágrima caiu.

   - Olha... Eu sempre te olhei, ok? Não de forma maliciosa, antes que venham com alguma acusação, mas porque era brilhante e esforçado e sempre ajudava com tudo que podia, então sempre te olhei como um ótimo aluno... - parou para respirar, estava nervoso. - Até aquele dia. - Me olhou no fundo dos olhos. - Você fez aquilo e de repente algo despertou em mim e eu te odiei. Odiei o que estava fazendo, odiei a diferença de idade e me odiei por gostar daquilo, por te esperar a cada dia, me odiei por te ver como um homem bonito e odiei ainda mais quando disse que ia embora, eu... - penteou o cabelo para trás com uma feição exasperada. - Eu não sei o que é isso que despertou em mim, mas odeio que vá partir e odeio a ideia de deixar tudo como era.

   - Professor... - ele me olha e engulo em seco, minhas lágrimas já rolavam. - Eu não quero só uma aventura ou uma história pra contar! - exclamei entre soluços. - Eu te amo! Eu sempre te amei!

   O rosto surpreso de Taehyung se ilumina e ele corre em minha direção e abraça e me deixo afundar meu rosto em seu ombro, minhas lágrimas molhando sua camisa social. Ele estava em meus braços, eu podia fundi-lo a mim. Nos desvencelhamos um pouco para conseguirmos nos olhar. Ele bota a mão em meu rosto e limpa uma lágrima que caia e, com um sorriso gentil, se inclina para um beijo que pede pela minha alma, salgado por conta das minhas lágrimas. Ele estava em minha boca, eu podia derrete-lo em mim.

   - Mas eu vou me mudar. - falo quando finalmente nos separamos.

   - Eu posso ir te visitar. As hospedarias são baratas.

   - Mas fica a duas horas.

   - Os metrôs são rápidos. - ele sorri ladino e acaricia minha bochecha com seu polegar. - E se a distância se tornar um problema, eu posso pedir transferência ou sei lá. Só sei que quero tentar, Jungkook, quero saber o que é isso que você causou em mim e quero que fiquemos juntos. Com essas palavras, as lágrimas caem novamente e recebo um beijo carinhoso em cada olho e ele junta nossas testas com um sorriso.

   Aqui tudo deixava de ser um plano infame. Aqui começava a minha história de amor.

O PlanoWhere stories live. Discover now