Capítulo XLI

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Normalmente, aos finais de semana, um suspiro de entusiasmo escapa dos meus lábios assim que os meus olhos se abrem.

Acho que essa é a maneira que encontrei para dizer a mim mesma que ainda não desisti, que a garotinha sonhadora continua vivendo em algum lugar aqui dentro, sobrevivendo, e que ela pode sim conseguir tudo o que quer.

Pelo menos era assim que me sentia desde que voltei a trabalhar na NSTA. Redescobri como é bom ter algo para se agarrar, ainda mais se levar em consideração que tudo o que tive nos últimos anos foi um terrível vazio. E não há mais assustador do que isso. Um vazio do qual não pode se libertar ou fugir, porque ele pertence a você tanto quanto você a ele.

Quando acordei hoje de manhã, um suspiro também escapa dos meus lábios, mas esse era diferente. Preocupação.

Eu realmente pensei que o meu lugar seria na NSTA. Uma parte minha queria pertencer a empresa. Queria acreditar que o Presidente era um bom chefe, um bom homem. Mas se a agência de fato roubou a BBAC, então tudo isso está acabado.

As palavras de Damen faziam sentido. E depois de uma noite inteira refletindo sobre, cheguei à conclusão que é a única justificativa plausível.

Porque explicaria também o ódio do meu pai por agências. Sempre imaginei que a causa fosse pelo o que aconteceu com minha mãe, porque ela morreu enquanto trabalhava.

Mas e se...

E se não for por isso que ele odeia agências? E se for como o Damen disse noite passada? Que eles roubaram a empresa da minha mãe. Que papai não precisaria ter bebido até quase morrer por desgosto, que Tyler poderia estar fazendo a sua faculdade, e até terminado, e que no fim eu não precisaria ter passado por tudo o que pensei. A perda da minha família.

Isso explicaria até mesmo porque o Sr. Hunter se aproximou de uma funcionária qualquer. Porque ele insistia em manter conversas comigo mais do que mantinha com o meu próprio chefe. Porque oferecia tanto dinheiro pelos meus serviços, ou me colocou para trabalhar com o Sr. Becker mesmo que eu não tenha experiência alguma.

De repente, tudo ficou claro.

O que o Presidente da NSTA tinha "visto" em mim não era talento, e sim uma forma de aliviar a culpa que sentia, de encontrar a redenção dos seus pecados.

Ele sabia quem eu era, talvez até mesmo tenha conseguido que a escola me mandasse dentre todos os alunos mais qualificados para o estágio. O Sr. Hunter estava arrependido por arrancar tudo da minha família, por ter nos destruído. Então ele tentava recompensar.

Até mesmo justificaria aquele domingo que o Sr. Hunter ligou para papai no jantar, eles ficaram por vários minutos conversando. Mais do que o necessário para uma simples readmissão como ele falara.

Eu me lembro perfeitamente que naquela noite papai depois da ligação voltou para dentro da casa transtornado.

Ficou me encarando de uma maneira esquisita. Será que o Sr. Hunter esperava que papai recebesse bem a notícia? Será que o Sr. Hunter contou ao meu pai que eu trabalhava lá? Será que zombou do meu pai que foi com o dinheiro dele que conseguimos pagar a nossa dívida com o empresário do restaurante?

Alcanço uma tigela do armário.

No minuto seguinte está cheia de cereal o suficiente para duas de mim. Despejo um pouco de leite e depois devolvo a caixa de papelão na geladeira. Eu tinha muito o que refletir.

E comer ajudava.

* * *

A ideia da faxina foi inteiramente minha, admito. Por um momento achei que me ocupando, poderia esquecer tudo o que Damen falou, sobre a BBAC e a NSTA. Sobre o papai e sobre o meu irmão. Mas acontece que eu simplesmente não conseguia deixar para lá, fingir que todas essas perguntas não estavam ali, martelando em meus pensamentos.

Lua NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora