Brisa de Verão

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O sol brilhava forte em Dorris, e isso me incomodava profundamente. Na Califórnia, quase todos os dias eram assim, e todos os dias eram incômodos. Faziam 24°C, eu deixei a famosa jaqueta de couro em casa, montei na moto e fui direto pra casa de Frank, o meu melhor amigo e parceiro desde os 8 anos.

Nós íamos juntos todo dia pra escola, mas geralmente ele ia com a moto dele, antes de destruí-la em um racha.

—Achei que fosse demorar mais, Foster.- Frank me provocou pegando o capacete e subindo na garupa.

—Da próxima vez você vai a pé, Martinéz.-retruquei e ele apenas revirou os olhos.

—Por que não veio com a jaqueta?-ele me perguntou e eu ignorei.-Sabe que Rick gosta de nos ver juntos e com as jaquetas...

—Rick não vai pra escola.-eu disse acelerando a moto e Frank parou de falar.

Rick era o nosso líder. Não era como se nós fôssemos uma organização criminosa, não gostávamos de ser vistos assim ou como uma ameaça, éramos só os Poisoned Scorpions. Não éramos traficantes ou contrabandistas, nós organizávamos rachas. Corridas de moto ou carros antigos com motores envenenados, era a nossa praia. Rick nos dizia para usar as jaquetas e ficarmos juntos como forma de resistência, eu era amiga dos meus colegas de gangue por escolha própria, mas odiava aquelas jaquetas.

E na Dorris High School nós éramos definidos por aquela merda de jaqueta. Eu tinha orgulho da família que eu ganhei junto com o Poisoned Scorpions, eram a minha família de verdade, mas na escola eu queria ser só Pandora Foster.

Frank Martinéz, Becca Peréz, Cassie Mae e Hector Jones. Lá estavam os famosos gângsters de Dorris High, com suas jaquetas de couro e segurando um total de zero livros escolares. A única coisa que carregávamos eram os maços de cigarro e isqueiros coloridos. "Vândalos", "Bandidos", "Ladrões", os boatos corriam soltos. Tinham medo de nós, e nós preferíamos ficar longe de confusão.

—Olha só se não é o grupo de criminosos mais odiado de Dorris High.- um dos babacas do time comentou ao nos ver no corredor.

—Eu não me senti odiado quando você sentou em mim sexta passada.- Hector retrucou e o resto de nós riu abafado.

—Eu também não me senti odiada quando você me chamou pra sair...- Cassie continuou a provocação.

O babaca era George Chales, o capitão do time. Do lado dele estavam Tony Jackson, o co-capitão, Madison Bloom, a capitã das líderes de torcida , e Gennifer Schneider, a presidente do conselho estudantil. Todos os mais populares do colégio, querendo intriga com as pessoas erradas.

—Você deveria aprender a ficar quieta, vadia.- Madison cometeu seu primeiro erro, e foi chamar a minha melhor amiga de vadia.

—Quanto ta a hora, Cassie?-Anthony resolveu perguntar.

Frank foi direto pra cima dele, mas eu o segurei. Como já era de se imaginar, eu era uma garota de poucas palavras, então o soco que eu dei em Tony bastou para um recado.

—Você ficou maluca?-Genni perguntou enquanto me encarava e confortava o pobre jogador caído.

—Se não tomar cuidado, o próximo sera em você. Pode marcar mais uma rinoplastia.- Rebecca falou por mim.

Todos os dias eram assim, eu até conseguia ignorar em algumas situações, mas em outras não. A vida na escola e os serviços dos Poisoned Scorpions me deixavam tensa, e eu só conseguia relaxar em um lugar, a biblioteca.

A biblioteca de Dorris High não era igual as outras. Na minha opinião, ela era única e cheia de pessoas interessantes. Minha avó me dizia que se eu quisesse conhecer realmente alguém, eu deveria perguntar qual era o seu livro favorito, e eu fazia quase isso. Eu observava o que cada pessoa lia, observava suas expressões e olhares, assim eu conseguia decifrar o que se passava na vida de cada uma delas.

Eu adorava fazer aquilo. Eu nunca lia nada, só ouvia minhas músicas e às vezes conversava com Ivana Gale, uma das estudantes que trabalhava lá e ouvia o que eu tinha a dizer sobre todos.

—Achei que você não ia vir hoje.-Ivana disse assim que me viu entrar.

Eu chegava na biblioteca sempre no mesmo horário, e Ivana sempre estava a minha espera para tirá-la das obrigações.

—Tive um problema no corredor com os riquinhos mimados. Mas então, o que temos pra hoje?-perguntei me referindo aos visitantes da biblioteca.

—O clube do livro vem ai, vamos ver quais livros eles vão escolher hoje.-eu sorri de canto.

—Ivana!-uma voz desconhecida veio da entrada em prantos.- Pode fingir que eu devolvi esses livros na sexta?

—Você pegou eles na quinta, Julie, são cinco livros. Não acredito que você passou o final de semana todo lendo, pensei que tinha planos!- Ivana reclamou e a garota com cabelos de mel e olhos verdes abaixou a cabeça.

—Os livros eram os planos...-ela disse baixinho.

—Vou ver o que posso fazer por você, mas não garanto que eu possa burlar o sistema.- a garota sorriu como agradecimento e Ivana revirou os olhos.

—Lewis Carrol, Julio Verne, Victor Hugo... difícil entender seu gosto, mas eu chuto que são clássicos.-disse e a garota finalmente percebeu a minha presença. Eu reparei em suas meias longas e coloridas, o gosto dela realmente era peculiar.

—Não conseguiria me entender nem se quisesse...-a garota olhou para o relógio e agora parecia inquieta.- Não tenho gêneros favoritos e muito menos livros favoritos, só gosto de ler.

—Deu pra perceber. Você é Julie, certo?-perguntei.

Ivana fingia que não estava percebendo nossa interação, mas eu vi sua reação quando eu puxei assunto.

—É...Julie Smith.- o nome soava como uma brisa de verão, assim como ela própria.

—Consegui!-Ivana exclamou cortando nossa conversa e Julie abriu um enorme sorriso.

—Muito obrigada, me salvou da multa! Eu volto depois do almoço.- ela praticamente saiu correndo de lá, parecia atrasada, e eu a acompanhei com o olhar até que saísse.

—Voce sempre volta mesmo!-Ivana disse alto para que a garota escutasse de longe.-Ai ai... você não tem nenhuma chance.

—Ta falando comigo?- perguntei e ela concordou com a cabeça.- Eu não fiz nada, eu quase nem falei com ela, eu...

—Eu vi na sua cara, Pan. A Julie nunca saiu com ninguém, acho até que nunca beijou ninguém.-eu a encarei tentando parecer desinteressada.- Eu sou a única amiga dela, e o meu conselho é: não tente.

Ivana saiu com os livros para colocá-los nas prateleiras, mas eu continuei ali. Eu pensei nas cores das meias de Julie e em como ela ficou ansiosa após olhar o relógio. Pensei em como ela falava muito e pouco ao mesmo tempo, mas mesmo assim eu não cheguei a nenhuma conclusão. Continuei encarando a porta por onde ela havia saído e seu nome veio em minha cabeça, Julie Smith, a única pessoa que entrou naquela biblioteca e eu não consegui decifrar.

Poemas de Julie Where stories live. Discover now