Encharcados de Sol

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Três dias se passaram. A operação de lavagem de dinheiro já estava quase resolvida, só precisávamos que Bella checasse algumas coisas para nós, e ela chegaria em poucas horas.

Como sempre eu estava na biblioteca, e nada estava fora de rotina. A não ser pela garota de moletom roxo que lia "O Pequeno Príncipe" sentada na minha direção. Era Julie.

Eu a tinha observado todos esses dias, ela sempre estava lendo algo diferente. Me segurei pra não falar com ela, e ao invés disso eu gastava minha ansiedade chupando dezenas de pirulitos. Aquele dia não estava sendo diferente, eu me sentei na mesma cadeira, com os mesmos fones de ouvido, ouvindo as mesmas músicas e chupando o mesmo sabor de pirulito.

Eu não sei o que chamou a atenção de Julie naquele dia. Talvez ela tivesse desistido de esperar eu ir falar com ela, ou só não aguentava mais a troca de olhares que nós tínhamos em momentos aleatórios. Seja lá qual foi o motivo, ela veio falar comigo.

—Acho estranho você vir aqui todo dia e não ler um livro sequer.-eu a encarei. Ela estava sentada na minha frente da mesa, e se incliva em cada palavra que falava.

—Gosto de observar as pessoas, os livros, pessoas lendo os livros...-disse tirando os fones e ela encarou meu celular.

—Prefere músicas do que livros?-ela continuou puxando assunto e eu balancei a cabeça positivamente.- Músicas são poemas, acho que se você lesse poesia poderia gostar de ler livros.

Eu olhei em seus olhos verdes e sorriso de canto, e quase pude sentir como se estivesse em um campo de flores. Julie era diferente de todos que eu já havia conhecido, e com certeza ficar longe dela estava sendo ridiculamente difícil. A operação precisava de 100% da minha atenção e Julie conseguia ter esse 100% todo pra ela quando estava por perto. Antes que eu pudesse dizer o que eu pensava sobre poesias, meu celular vibrou.

"ESTACIONAMENTO URGENTE"
                           11:42// Becca

Droga! Eu tenho que ir.- disse me levando e pegando minhas coisas sem dar satisfação a garota em minha frente.

Eu corri até o estacionamento e vi meus amigos parados em frente ao carro de Hector. Eu pude ver George, Tony, Maddy e Genni indo em direção à eles, já previ o que estava acontecendo.

Cheguei mais perto e vi o capô do carro inteiro amassado, as portas riscadas e janelas trincadas. Cassie gritava coisas como "eu vou matar aquelas vadias", Hector andava de um lado para o outro e Frank só estava esperando para quebrar a cara dos atletas. A única que parecia estar com a cabeça no lugar era Becca, devia estar pensando em como se vingar ou coisa assim.

—Gostaram da nossa arte?-Tony perguntou.

—Não vai querer comprar essa briga, Anthony.-disse e todos perceberam que eu estava ali.

—E o que você vai fazer, rainha dos odiados?-Madison balançava o cabelo e gargalhava como forma de provocação.

—Ela vai fazer todos esses seu dentinhos brancos e certinhos saírem voando da sua...-Cassie foi interrompida.

—Um racha.-Becca completou e eu a encarei.

—É isso, eu corro com qualquer um de vocês a qualquer hora.-Hector levantou a voz em defesa do seu carro.

—Eu posso correr, mas eu quero correr com ela.-George apontou pra mim.

—Fechado!-Frank respondeu por mim.- Se ela ganhar, nós ficamos com a sua Lamborghini.

—Espera, Lamborghini?-Hector perguntou assustado. A velocidade de um carro daquele era enorme, seria impossível vencer com meu Chevy Impala.

—Eu aceito, e se eu ganhar...Pandora vai ter que sair comigo.-eu tirei o pirulito da boca e levantei o olhar até ele.

—Fechado.-ele sorriu e deu as costas assim como o resto de seu grupo.

Depois da aula eu e Frank iríamos para a Jolly Rogers, encontraríamos Isabella e começaríamos a trabalhar no motor do meu carro. O racha aconteceria no sábado, e eu queira que tudo estivesse pronto até lá, inclusive a operação da lavagem de dinheiro.

Apesar de eu gostar muito de motos, os carros tinham seu espaço especial no meu coração, principalmente meu Chevy Impala 67. Eu só exibia ele nas corridas e em ocasiões especiais, seu motor era forte mas nem tanto para vencer um carro como o de George, precisaríamos de horas de trabalho duro pra conseguir envenenar aquele motor sem que virasse uma bomba.

—Achei que eu só fosse voltar pra Dorris no seu enterro.-disse Bella assim que me viu entrar na oficina.

—Você sabe muito bem que eu não gosto de encrenca.-ela me abraçou.

Passamos a tarde conversando sobre a operação e em como nós tínhamos mudado nos últimos dois anos. Ela ajudou eu e Frank com o motor enquanto reclamava das mãos sujas, finalmente eu tinha minha amiga de volta na cidade, e isso me fazia muito bem.

Nós estávamos fechando a oficina tarde da noite quando meu celular vibrou depois um bom tempo. Meu estômago de encheu de borboletas assim que eu vi de quem era a mensagem.

"Deixe-nos viver como flores
selvagens e bonitos
e encharcados de sol
                         -Ellen Everett"
                                  22:46//Julie

Era um poema. Pensei em como a deixei falando praticamente sozinha na biblioteca mais cedo, só um tolo deixaria uma garota como aquela para trás.

"Pra falar a verdade, eu nunca gostei muito de sol..."
22:49//Pandora

Me arrependi na hora de ter dado aquela resposta, mas ela viu a mensagem antes que eu pudesse apagar.

"Não gosta do calor?"
                                                   22:51//Julie

Eu abri um sorriso antes de respondê-la.

"Gosto só da brisa de verão"
                                               22:52//Pandora

Talvez um dia ela entendesse que ela era a brisa de verão, ou talvez não. Eu não podia definir nada sobre ela, ela era como um cubo mágico sem solução. Tudo que Julie fazia era inesperado e inimaginável, até as pequenas coisas.

Tentar decifrar aquela garota com certeza tinha se tornado o meu passatempo favorito. Suas meias engraçadas me vieram a cabeça, qual meia ela iria usar no outro dia?

Poemas de Julie Onde histórias criam vida. Descubra agora