Ponto Fraco

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—Pronta?-disse Julie assim que entrou no carro.

Fazia sol e não haviam nuvens no céu, eu normalmente ficava em casa em dias como aquele, mas eu ainda precisava fazer mais uma coisa por ela. Sem falar que eu amava sua companhia.

—Aonde a gente vai mesmo?-perguntei enquanto colocava meus óculos escuros vintage.

—Eu dou as coordenadas...-ela riu de canto e eu liguei o carro.

Seja lá pra onde nós estávamos indo, Julie estava com uma mochila enorme e aparentemente pesada.

Foram vinte minutos de viagem até chegarmos em um enorme campo de girassóis, Julie foi direto até uma árvore que ficava no meio do campo e nos sentamos lá. Ela começou a tirar livros e salgadinhos de queijo de dentro da bolsa. Por fim tirou uma garrafa cheia de chá.

—É isso que vamos fazer? Ler no meio das plantas?-perguntei enquanto analisava os livros.

Poesia, era o gênero de livros o qual ela havia levado. Julie encostou cuidadosamente no tronco da árvore e fez sinal para que eu encostasse também, a assim eu fiz.

—Eu vou ler pra você.-eu a encarei sem entender o propósito daquilo.-Minha avó adorava ler pra mim, e foi assim que eu comecei a gostar de livros.

—Então você acha que se ler pra mim, talvez eu comece a gostar de ler?-perguntei confusa e ela assentiu.- E por que vamos fazer isso em um campo de girassóis?

—Lembra do primeiro poema que eu te mandei? Sobre as flores bonitas e encharcadas de sol?- foi a minha vez de assentir.- Não há flor mais bonita e encharcada de sol do que um girassol.

Passamos o dia todo naquele lugar. Julie leu  "O Que O Sol Faz Com As Flores" quase inteiro, e eu admiti que gostei. Comemos os salgadinhos e tomamos o chá enquanto víamos o por do sol.

Ah se Julie soubesse o quanto ela ficava linda no meio daqueles girassóis, o quanto ela ficava linda quando estava concentrada lendo, ou quando o a luz laranja do por do sol refletia em seu rosto.

Ela era o centro do universo naquele momento, eu ainda não sabia se realmente estava apaixonada por ela, mas eu sabia que seria fácil me apaixonar.

Já eram quase dez da noite quando decidi levar Julie para minha casa. Ela concordou que fazer macarrão comigo seria com certeza mais divertido do que ficar sozinha.

Ela entrou pela porta da sala analisando todo aquele espaço. Ela deixou sua mochila no sofá enquanto nos dirigíamos até a cozinha.

Eu comecei a colocar água na panela enquanto Julie se sentava no balcão, ela parecia analizar todos os pequenos detalhes.

—O que acha de ouvirmos alguma coisa?-disse colocando a panela no fogo.-Sabe...tudo fica mais divertido com música.

—Parece uma boa ideia.-ela concordou e eu fui direto até a prateleira da sala que estava cheia de discos de vinil.

Peguei o que mais me chamou atenção, e com certeza Julie gostaria pela quantidade de romances que ela lia.

—O que acha de Frank Sinatra?-ela me olhou de maneira confusa.-Não conhece, né?

Ela assentiu. Era impossível não conhecer, ainda mais pela música que eu havia colocado. "Can't Take My Eyes Off You". Mas ela realmente não conhecia.

—Vem.-estiquei a mão como um convite para dançar.- A primeira coisa que você deve saber sobre Frank Sinatra é que nunca se fica parada em uma música dele.

Ela segurou minha mão e eu a puxei contra mim. Nós dançamos pela sala, ignorando qualquer possibilidade de estarmos sendo observadas por Bella, que estava no andar de cima. Julie deitou a cabeça no meu ombro e ali a música começou a ficar mais animada. Nós rodopiávamos pelo lugar até que ela sem querer esbarrou em um vaso que quase caiu. Nós gargalhamos.

—Me desculpa, não quero acordar seus pais.-ela disse ainda rindo.

—Na verdade, meus pais não estão aqui.-disse me sentando no sofá e Julie se sentou ao meu lado.

—E onde eles estão?-ela parecia curiosa.

—Minha mãe mora em São Francisco com a nova família dela, e meu pai...ele ta por ai.-respondi.

Eu pude ver um olhar triste em Julie. Na verdade eu nem me importava mais com a distância dos meus pais, eu tinha uma família nos Poisoned Scorpions e só isso já bastava.

—Eu sinto muito...-ela disse segurando minha mão, aquele contato me deixou estática.

—Nao precisa sentir, meu pai vem me visitar nos meus aniversários, e eu sinceramente não ligo pro que minha mãe faz ou deixa de fazer.-Julie me deu um sorriso compreensivo, e eu retribui.

—Eu também não tenho contato com meus pais, eu moro com a minha avó.-ela respondeu em tom de reconforto.-Mas por que não mudamos de assunto agora?

Eu concordei e Julie começou a falar sobre seu cachorro, o Alfred. A minha ideia de que ela falava muito e pouco ao mesmo tempo se esvaiu, agora eu tinha certeza de que Julie falava pelos cotovelos.

Ela me contou detalhadamente toda a história da vida de Alfred, e para um cachorro, ele tinha uma vida muito agitada. Infelizmente ou felizmente eu não prestei atenção em nada, só em como Julie movimentava as mãos em cada palavra que falava.

Ela parava de minuto em minuto para recuperar o fôlego que se perdia pelas palavras e sorria nesse meio tempo. De vez em quando ela gargalhava e lágrimas escorriam pelos seus lindos olhos verdes. Aquela risada era meu ponto fraco.

Julie tagarelou pelo resto da noite. Ela falou enquanto comíamos, falou enquanto lavávamos a louça e enquanto escolhíamos outros discos para colocar no toca disco. Eu não a interrompia, apenas sentia sua doce voz passar pelos meus ouvidos.

Comecei a perceber o efeito que ela tinha sobre mim. Eu amava o jeito que ela contava histórias e o jeito que ela mudava de assunto em dois segundos. Amava o jeito que ela tampava o rosto quando ria demais e como ela não tinha vergonha de nada. Amava o tom com que ela pronunciava meu nome mesmo que não o dissesse com frequência.

Realmente Julie Smith era indecifrável, e eu amava isso.

Poemas de Julie Onde histórias criam vida. Descubra agora