Estrangeira E Lord

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De longe se via a neve cair cada vez mais pelas terras, mas embora estivesse frio ainda não estava insuportável para que as crianças não brincassem do lado de fora.
Aeryn e sua irmã Aghna reuniram todas as crianças irlandesas e começou a lhe contar histórias antigas, que tinham ouvido de sua mãe a muito tempo atrás.
—A lenda das mulheres harpias era muito temida pelos gregos. Eram metade mulheres, metade águias e consideradas as carrascas dos deuses.
—Eram tão fortes assim?
—Muito, muito fortes! E tinham uma mira certeira para atingir o que quer que fosse.
—Mas como elas surgiram?
—Quem saberia? 
Algumas crianças nascidas e criadas em MacCionarth se aproximaram.
—Podemos brincar também?
—Claro, sentem aí. Terminarei a história.
Elas logo se embolaram entre o outro grupo de crianças e já não dava pra saber quem era de qual povo.
—Alguns as odiavam por temer o que não se conhece. E esse medo levou a desconfiança, que levou ao ódio e daí passaram a vida inteira mudando de um lado ao outro procurando um lar. E acharam uma grande ilha, ainda intocada por humanos e lá viveram. Mas seu lar não seria seguro para sempre e a ilha foi invadida e habitada por humanos. Cansadas de disputar espaço e de serem discriminadas por sua aparência, as harpias decidiram dividir sua forma em duas, inteiramente humana e inteiramente águia, e a se misturar com os homens que passaram a habitar a grande ilha. E agora podiam ter um lar. Algumas tomaram a forma de águia definitivamente e formaram seus ninhos nos lugares mais altos. Outras assumiram a forma humana e se espalharam entre os humanos, de forma que ninguém podia distinguir entre eles.
— Se elas conseguiram um lar, nós e nossas mães podemos conseguir um também?
Aeryn tentou conter sua tristeza. Era uma pena ver esses meninos e meninas órfãos de uma guerra que não era deles, que perderam tudo o que os fazia se sentirem seguros. Ela faria qualquer coisa pra tirar essa insegurança deles.
—Sim, querido. Um dia todos nós teremos um lugar. Até lá, tem uma música que meu pai me ensinou que sempre me animou em tempos difíceis. Sempre que sentirem que não tem um lar ou mais nada pelo o que lutar ou viver se lembrem dela.
Aghna pegou sua flauta enquanto e começou a tocar enquanto Aeryn cantava.
— O fio no tapete artístico,
Cujas cores não tem par,
Não vê o seu propósito,
No padrão que veio adornar.
E a pedra que está lá no topo
Da montanha ou lá quase,
Mais importante seria
Do que aquelas que formam a base?
Como avaliar qual é o seu valor
E qual é o seu papel?
Não deves ver como o homem vê...
Você deves olhar...
Deves olhar com o olhar do céu.
As crianças se deram as mãos e formaram uma roda em volta das duas, e improvisaram um acompanhamento da música com suas vozes.
Lai, lai, lai, lai, lee, lai lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai,
Lai. lai, lai, lee, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai.
Lai, lai, lai, lai, lee, lai lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai
—Não penses em ouro no deserto,
Busques a água para beber.
E o pastor é para a ovelha,
O que o rei não pode ser.
Se um homem perde o que tem,
Deixará de ter valor?
Ou esse é o reinício
De um destino agraciador?
Pois como julgar o que o homem é?
Em posse, força ou fé?
Pelo quanto ganhou, pelo quanto deu?
Resposta terás...
Resposta terás só se quiseres
A vida olhar com o olhar do céu
Por isso repartimos tudo,
Pouco temos, podes ver.
Se tudo o que se tens é nada,
Muito há pra se fazer.
A vida tende a se transformar,
Se o destino determinar,
Embora sem a canção saber.
Elas começaram a girar e as crianças acompanharam os passos de dança.
Lai, lai, lai, lai, lee, lai lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai,
Lai. lai, lai, lee, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai.
Lai, lai, lai, lai, lee, lai lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai,
Lai. lai, lai, lee, lai, lai, lai, lai, lai, lai, lai
Lai, lai, lai, lai, lee, lai lai, lai, lai, lai, lai, lai
—Como julgar o que o homem é?
Pela riqueza não é!
Não deves ver como o homem vê.
Você deves olhar...
Deves olhar!
Deves olhar...
Deves olhar com o olhar do céu.
Todos bateram palmas para as duas ao fim da música.
—Nunca se esqueçam, ter pouco não é valer pouco. Seus bens materiais, onde mora ou onde nasceu não fazem menos ou mais ser humano do que qualquer outra pessoa. Se a humanidade tem uma só origem significa que todos somos um só.
As crianças assentiram e se dispersaram para as suas casas.
—Isso foi realmente muito bom.- disse uma voz atrás delas, lhes dando um pequeno susto.
— Lord MacCionarth? A quanto tempo está observando?
—Desde a história das harpias. Realmente tens o jeito para esses pequeninos.
—Pois agradeço.- disse, fazendo uma pequena mesura.
—Isso apenas reforçou minha decisão.
Ela ficou confusa.
— Decisão?
— Sim. Eu vim pedir-te em casamento.
Aeryn e Aghna até arregalaram os olhos tamanha a surpresa, e a Artegal mais nova chegou a deixar cair sua flauta no chão.
—Sei que parece estranho e precipitado mas não consigo pensar em ninguém melhor. És uma líder. Se arrisca pelo seu povo, sozinha se precisar. Creio ser alguém em que possa depositar confiança. Alguém que vai proteger meu povo como protege os seus. É disso que preciso. Lealdade e coragem. Preciso de uma esposa urgente, pois querem me casar com uma menina que não tem condições para assumir tamanha responsabilidade. Se eu me permitisse ceder destruiria a ela, a mim e aos que dependem de mim e...
De forma inesperada foi interrompido por sua irmã, que chegou correndo vermelha de tanto esforço.
— Não cometas essa tolice irmão! Não se case com uma estrangeira imunda!
Aghna pôs as mãos na cintura.
—Do que chamou a minha irmã?- disse com fúria no olhar.
—De estrangeira imunda!- respondeu em desafio.
Aghna foi contida por Aeryn.
— Por favor, não se precipite! Existem lutas que valem a pena lutar mas não é uma delas agora!
Aghna deu a volta e saiu sem falar nada.
—Cayden...
— Calada Eileen!
—Sabes o que aconteceu da última vez! Esquecestes de Elena?
—Chega! Volte para casa! Para o seu quarto agora!
Eileen viu que seu irmão estava exaltado e não insistiu. A caminho do castelo, caminhou em ritmo lento até levar uma bola de neve nas costas.
—Quem fez isso?- perguntou antes de outra bola atravessar seu rosto.
Para a sua surpresa, quem atirou foi na verdade uma grande águia de penas vermelhas e uma mira perfeita.
—Mas o que...
E levou mais uma bola de neve no rosto.
Enquanto isso, a conversa de Cayden e Aeryn prosseguia.
—O que esperas de mim e desse casamento?
— Espero lealdade. Espero respeito. Espero que lutes por esse povo. E prometo te dar a minha lealdade e meu respeito em troca. Eu jamais levantaria a mão para agredir-te. Jamais deixaria que algo ruim te acontecesse. Seu povo e o meu seriam um só, tratados como iguais e não como os estrangeiros que acolhi. É minha promessa, e MacCionarths sempre cumprem suas promessas.
Aeryn viu ali a maneira de conseguir um lar e proteção para sua irmã e seu povo. Não tinha como recusar.
— Eu aceito!
— Farei com que o casamento seja o mais rápido possível. E prometo, não terás motivos para se arrepender se depender de mim. Por mais estranho que pareça sinto que podemos confiar na palavra um do outro.
—Assim seja!
E com o compromisso selado, Aeryn voltou para a sua cabana. E  lá surpreendeu uma certa águia muito peralta.
Pôs as mãos na cintura.
—O que aprontaste Aghna?
A águia deu uma risadinha debochada.
— Não tens jeito.

— Não tens jeito

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Um Highlander Em Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora