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ESPÍRITO ERRANTE 


ㅤㅤTROVOADAS RESSOARAM no céu. As luzes no bar piscaram.

O cheiro do mofo espalhado nas paredes enegrecidas era acentuado pelo suor exalado dos homens que ocupavam as mesas de metal.

Aquele bar era antigo e seus fregueses — vivos e mortos — não davam a mínima para a moça descabelada sentada sozinha no canto da janela, ainda que fosse a mais jovem, e a única mulher, presente. Mas era justamente por isso que aquele bar era sua primeira escolha após um dia péssimo do "trabalho" voluntário que fazia.

Sarah torceria o nariz se visse a amiga naquele lugar, como sempre fazia quando questionava sua escolha por locais "duvidosos" para descontar as frustrações de um dia exaustivo, mas Joyce se sentia à vontade ali. Sabia que ninguém a olharia torto se decidisse conversar com o homem sentado na mesa ao lado, com um corte em diagonal fincado na barriga exposta pelo colete de tachinhas dos anos oitenta — como havia feito no dia em que descobriu que ele não fora assassinado nos anos oitenta, e sim que aquele era o visual preferido dele antes de morrer. Ele abominava a forma atual de seu cadáver, o que deu aquele lugar alguns pontos positivos.

Joyce odiava fantasmas que apareciam diante dela na forma em que seus corpos ficavam após morte ou no estágio de sua decomposição. Em casos de acidentes ou assassinatos, era nojento demais. Em decomposição então... Ela torceu o nariz e franziu os lábios. Quase podia sentir o fedor de um cadáver decomposto coçando suas narinas.

Era ótimo quando encontrava fantasmas que preferiam manter a forma jovem e saudável de quando estavam vivos, embora fosse justamente nessas formas que os espíritos a confundiam. Era irritante como se assemelhavam aos vivos não apenas ao olhar dela, mas ao toque também.

Pessoas azaradas como ela podiam enxergar os espíritos que se recusavam a aceitar a morte, e tinham como dever explicar as regras que deveriam seguir para permanecer no mundo mortal. O fato de nem todas as almas se sentirem atraídas pelo seu tipo era a única coisa que a reconfortava em dias como aquele — em que seu humor estava tão agradável quanto o clima lá fora. O fantasma que vivia naquele bar fazia parte desse grupo, ele não se importava com Joyce. Também já ouvira o discurso dela, portanto, sabia que o tempo dele, no mundo dos vivos, estava acabando.

Joyce suspirou e fixou os olhos castanhos no próprio reflexo na janela. Os fios emaranhados, na altura dos ombros, começavam a formar cachos volumosos e desgrenhados ao redor do rosto dela. A pele marrom clara tinha olheiras nas pálpebras e embaixo dos olhos. Não estavam tão escuras, talvez sumissem se usasse algum creme e descansasse. O problema era conseguir descansar.

Resignada, serviu para si mais um copo de soju e entornou o líquido transparente em um único gole.

No exato momento em que voltou o olhar para a chuva caindo numa torrente, um homem degolado pulou sobre o vidro. O sangue jorrou da jugular exposta e escorreu pela janela em um tom de vermelho doentio.

Até Que A Morte Vos ReúnaOnde histórias criam vida. Descubra agora