Capítulo 3 - Ou você me come ou você cai fora

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Quando o dia amanheceu e a manhã se fez preguiçosa, o espaço fora preenchido por um cheiro nostálgico de terra molhada. Era como uma manhã de férias, na casa daquela avó de voz doce e mão enrugadas trazendo um bolo quente para o café da manhã. Choveu durante toda a madrugada, cessando aos poucos no início do dia. Os brothers tiveram resistência em deixar os lençóis, estava garoando e o barulho natural da água a deslizar pelas janelas causava ainda mais sonolência. Ivy foi a primeira a se levantar, coçou os olhos com dificuldade, espreguiçou-se e sentiu o estômago reclamar de algo. Os pés mornos tocaram o chão e ela deu um gemido penoso. "Que droga, a cerâmica congelou?", praguejou em baixo tom, indo em direção à cozinha. Pensou em fazer algo que preenchesse a barriga, tamanha era a fome pós-festa, mas também sentia-se sem apetite e só teve ânimo para fazer um café preto e forte.

Estava desajeitada, cantarolando algo e reclamando do frio que fazia ali, serviu-se de uma caneca estupenda do líquido e quase tomou um susto de desjejum quando se virou e avistou Giselly de pé, estranhamente bela naquele pijama grande demais para o seu corpo pequeno, os cabelos armados e um bico que dava medo.

— Gi! — sorriu, nervosa. — Eu tive um tremendo susto!

— Estou tão feia assim? — a morena caminhou ao encontro da outra, beijou-lhe na testa e se serviu do mesmo café. — Bom dia!

— Bom dia, garota. Como dormiu?

Giselly se dispersou olhando a chuva escorrer lá fora, notando que fazia mesmo um frio desonroso. "Desnecessário esse gelo todo, só queria uma piscina.", pensou sozinha com os seus arrependimentos fantasmagóricos da noite passada.

— É... foi estranho dormir sem ela. Mas é impossível não apagar depois de meter o pé na jaca misturando vodka, caipirinhas, gim, cervejas e sabe-se lá o que mais eu não enfiei no juízo ontem. — o jeito da advogada era particularmente cativante, era desajeitada e genuína. Havia um quê de doçura no tamanho das mãos, no formato dos olhos, no jeito estranho de falar rápido e destemida demais.

— Você não bebeu tanto assim, Gi... — Ivy mexeu o café para lá e pra cá, brincando com o calor da bebida. — Deve ser a ressaca moral falando com os seus demônios matinais, diga-lhes que está cedo para te aborrecer e beba logo esse café horrível que eu fiz sem pensar muito nas minhas habilidades culinárias.

Giselly riu e as duas acharam aquilo bom. Fazia tempo que a morena não se divertia com ninguém mais além da loira, estava começando a notar uma certa dependência afetiva dos carinhos de Marcela, tinha sido realmente sofrido dormir sem os cabelos longos dela fazendo cócegas em seu nariz até que aquilo a despertasse do sono profundo e a fizesse ir parar no chão, orando para que nunca perdesse o hábito de segurar as mãos enquanto dormia separadas. Começou com um pesadelo da Gi, ela achou que estava nadando em um cubículo cada vez menor até que se afogava repetidamente, mas nunca morria, a sensação era angustiante. Ela estava no chão e a loira agasalhada em sua cama, despertou assim que ouviu os gritos da amiga e serenamente lhe deu a mão. "Foi só um pesadelo, minha menina, segure os meus dedos, estou protegendo você em auras cármicas, prometo que não vai acontecer outra vez. Dorme... ", as palavras saíram com tanta doçura da voz embargada de sono de Marcela que a outra só soube deleitar-se naquela sonoridade pacífica e retornou a dormir, como prometido, sem mais sonhos violentos.

Ivy ainda ficava sem jeito de se aproximar, porque Giselly era tão aberta ao mundo quanto fechada. Sim, as duas coisas ao mesmo tempo, a moça era uma incógnita.

— No que está pensando? — perguntou, chegando-se para mais perto dela, estavam próximas da janela.

— No quanto você realmente estava certa quando disse que o café estava horrível! — disse em tom zombeteiro, buscando um sorriso no rosto de Ivy.

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⏰ Last updated: Feb 23, 2020 ⏰

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Entre ParedesWhere stories live. Discover now