Como Capitu e Bentinho

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     No Brasil, morávamos eu e meus pais no litoral da Bahia. Eu sou filha única e sempre fui criada com muito amor e dedicação. Meus pais eram sempre presentes e me davam tudo o que eu necessitava. Mas aos nove anos de idade, minha mãe descobriu estar grávida de gêmeos. Ficamos tão felizes que choramos de contentamento. Eu finalmente teria companhia e seríamos ainda mais felizes.

    Certa vez, regressávamos de uma lojinha para bebês. Era uma tarde ensolarada e paramos para tomarmos sorvete no calçadão, quando ouvimos gritos desesperados de uma mulher que corria em nossa direção, ainda a uma boa distância. Ela corria atrás de um assaltante, que já estava para passar por perto de nós. Minha mãe se assustou com os gritos da mulher e se voltou para trás. De súbito, o assaltante esbarrou na minha mãe e caiu sobre ela pesadamente.

   - AI ! - Minha mãe gritou, áspera.

   - Pega ladrão ! Pega ladrão ! - A moça berrava desesperadamente já nos alcançando.

    O bandido se levantou de cima da minha mãe e se preparou para fugir. Mas um guarda apareceu inesperadamente e o abordou em flagrante. Ele havia tentado roubar uma pulseira avaliada em dez mil reais.
A moça suspirou aliviada. Por outro lado, minha mãe sangrava no chão. Seus bebês morreram. Não suportaram o tombo. Pedaços de nós ficaram ali mesmo. Perdidos no calçadão. E eu passei a ser a filha única novamente. Sozinha, sem irmãos.

* * *

    Na terça-feira, fui para o meu quarto desembaraçar os cabelos, acreditem, estava com os mesmos cachos de domingo que eu penteei para ir ao NoMI Kitchen.

   - Dak, Dak - Peter entrou no meu quarto feito um furacão. Porque ele tinha essa característica desesperadora.

   - Oi, meu bem - Me virei para ele, que estava com as bochechas coradas de tanta animação.

    Ele se lançou sobre a minha cama, completamente estendido, com um olhar sonhador para fora da minha janela.

   - Aaaa - ele estava extasiado, com uma boa porção de emoção em seu olhar - Já amou alguém, Dak?

    Tomei um susto tão imenso que arregalei os olhos consideravelmente, depois gritei esganiçado - O QUÊ?

   - Por que se assustou, Dak? Só por que dizem que amar é sofrer? - ele estava curioso, já sentado em minha cama. E eu calada. - A verdade é que amar é um privilégio. Principalmente quando a outra pessoa está disposta a te querer na mesma intensidade.

    Ele continuou com a mesma expressão. A minha, porém, estava mais assustada.

   - O que todos não sabem - ele continuou, como se fosse o único que soubesse - é que o amor não é algo fixo, imutável. Intensificamos com o tempo, a medida que reconhecemos que o outro é, na verdade, o que queríamos ser. Portanto, quem nos completa.

    Eu continuava sem reação. Realmente, ele estava assistindo muita ficção. Algum filme causou-lhe uma desordem emocional severa.
    Eu continuava aonde estava. Ele chegou perto de mim e pegou a escova.

   - Queria ter uma irmã - incrível como aquele garoto conseguia ser tão aleatório.

   - Mas você pode me considerar como uma irmã - eu disse, animada.

   - Ah, que bom. Então agora o Dylan também terá uma irmã!

    Ah. Meu Deus. Não. Não. Não. O Dylan era o meu crush!
   Peter começou a desembaraçar meus cabelos.

   - Hahaha, isso é muito bom.

    Não sei o que ele via de bom em desembaraçar um cabelo tão emaranhado quanto o meu. Estávamos alí quando ouvimos passos rápidos nas escadas. Dylan apareceu na minha porta, todo descabelado, com marcas do travesseiro sobre o rosto inchado igual ao de um bebê. Ele estava tão fofo de pijama, que eu imaginei se ele não era o irmão mais novo e Peter o mais velho.

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