Capítulo 4 pt. 1

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Uma voz em meu cérebro me alertava que era apenas um sonho. Eu podia ver rostos, os quais jamais tinha visto em toda a minha vida. Não eram bem definidos, como se encobertos por mantas. Apareciam, flutuando sem corpos, sussurrando coisas ininteligíveis, rindo baixinho. E lá estava eu, apenas assistindo. Pequenos flashes, como clarões abruptos de raios rompendo a escuridão, mostravam-me um lugar em que nunca estive. Nomes flutuavam, feito fumaça esbranquiçada, transformando-se em outros nomes, depois desaparecendo na escuridão.

Acordei em meu quarto, aturdida, desorientada. Sentei ereta na cama, fitando o quarto. Respirei fundo. Foi só mais um dos seus sonhos estranhos, Melissa.

Ergui-me da cama e peguei minha carteira de cigarros, deliberadamente escondida em uma das gavetas da cômoda. Abri a janela do quarto; uma brisa glacial irrompeu por ela, fazendo-me tremer fraquinho. Vesti um casaco e me inclinei contra a janela, apoiando os cotovelos. Acendi o cigarro.

Analisei o céu cinzento, tristonho, toda aquela imensidão em tons desbotados, folhas alaranjadas de outono forrando o chão. Enquanto tragava, observando o brilho alaranjado em brasa, os padrões que a fumaça formava dançando no ar, alguma parte do meu cérebro me alertou que eu iria me atrasar para o colégio, como sempre. Terminei o cigarro, tomei banho e desci para o café. O Sr. John, um homem de meia idade que ocupava um dos quartos do térreo, bebericava seu fumegante café, lendo atentamente o jornal local desta manhã. A Sra. Fernandez estava nos fundos da cozinha, uma grande cesta com roupas sujas aninhada entre seus braços.

— Bom dia, querida — disse, colocando a cesta de lado e abraçando-me.

— Bom dia, Amélia.

Sentei à mesa, comendo meu cereal de maneira apática. Então, perguntei-me se um determinado morador não fazia as refeições aqui, como os demais moradores da pensão tinham como hábito todas as manhãs.

— Amélia — comecei, hesitante. — William costuma fazer suas refeições por aqui?

Ela estava de costas para mim, mas pude perceber que suas bochechas se ergueram, insinuando um sorriso. Tentei parecer indiferente.

— Ele costuma acordar bem cedo para buscar seu café da manhã — disse. — Depois volta para o quarto.

— Ah — fiz eu, levando uma colher cheia de cereal à boca.

Quando terminei, voltei ao meu quarto, escovei os dentes e peguei minha mochila. E então, segurando a maçaneta, prestes a sair, ouvi uma porta se abrir: a do quarto vizinho ao meu, certamente. Congelei. Tudo bem, sei que minutos antes, estava perguntando por William, mas... como agiria quando encontrasse com ele?

Fechei a porta, sentando-me em seguida na ponta da cama. Não sabia por que estava tão nervosa; apenas fiquei sentada, batendo o pé, esperando. Após um tempo, espiei o corredor. Vazio. Desci as escadas num rompante, seguindo para o meu carro. Quando entrei, não pude deixar de notar as venezianas novinhas, imaculadamente brancas do pensionato. Era como se uma força do universo conspirasse para que eu não pudesse deixar de pensar nele, o que seria plausível se eu acreditasse em tal coisa. Dei a partida, sorrindo feito uma imbecil.

Caminhando em direção aos prédios do colégio, vi Megan e Daryl conversando em uma das mesas de piquenique. Arqueei as sobrancelhas, cética. Dei passos cautelosos em sua direção, ouvidos atentos esperando detectar vozes alteradas — era difícil acreditar que os dois estavam apenas conversando pacificamente. Eles riam de um jeito distraído, alheios a tudo.

— Bom dia, Sid e Nancy — disse, ainda desconfiada.

— Bom dia, M. — Megan disse, em meio a uma risada.

[DEGUSTAÇÃO APENAS] Do Éden à Luxúria - Trilogia O Círculo dos Imortais Vol.IOnde histórias criam vida. Descubra agora