Até a meia-noite, pt. 4, por Renato Jardim

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Eu toco na pedra e é tão fria, tão diferente do toque acalentador da garota. Sua expressão também é tão diferente, tão amedrontada. Sinto as lágrimas chegarem aos meus olhos, mas as seguro. Não adianta chorar, preciso fazer alguma coisa.

— O que faremos, vó?

— Eu não sei... Quem será que fez isso com ela?

Sinto um frio tão forte de repente que parece que meus ossos estão encolhendo. Olho para o lado e percebo que vovó também está sentindo isso, pois retraiu os ombros.

— Quem está aí? — Ela grita olhando de um lado para o outro.

— Já se esqueceu de mim, Isaura Aruana? Pensei que tivesse marcado a sua vida como marcou a minha.

Vovó não parece preocupada, parece estar com muita raiva. Acho que nunca a vi assim antes.

— Tentou nos matar de novo, não foi, duende? Eu sabia que você estava envolvido nisso!

Uma risada alta e grave parece se espalhar ao nosso redor. Ela vem de cima, de baixo, de todos os lados.

— E teria conseguido se você, bruxa, não tivesse destruído a minha capa!

— Ainda bem que apareceu, porque agora eu vou destruir o resto de você! — Mesmo com pouca luz, posso ver as bochechas da vovó ficando vermelhas.

O duende ri mais uma vez.

— Nem você seria capaz, bruxa. Sabe que não posso morrer, não é? Sou mais antigo que o mundo, que as estrelas, que o luar.

— Mas pode ser impedido, mesmo que por uma velha.

Eu seguro a mão da minha avó e ela sorri para mim.

— Olha só, mais uma mulher da família Aruana. Outra bruxa!

— Apareça, coisa ruim! Você não pode mais ficar invisível. Onde você está? Mostra essa sua cara feia!

Como se a luz da lua fosse desligada por alguns segundos, perco totalmente a visão. No segundo seguinte há algo na nossa frente. Ele é bem menor do que eu e a vovó, deve bater no máximo nas nossas cinturas. Seu corpo parece deformado, pois um ombro fica mais para baixo que o outro e sua cabeça pende para o lado direito. O nariz comprido e fino se estende uns vinte centímetros para além de sua cabeça e seus joelhos ficam flexionados o tempo todo. A roupa parece feita totalmente de retalhos em cores mortas, da bermudinha ao capuz e seu olhar é assustador. É o olhar de alguém que sente uma fome desesperadora e que está prestes a te devorar. Sem perceber, dou um passo para trás.

— O que te deteve dessa vez, Dué? Já que eu estava impossibilitada?

O duende vira o rosto como se tivesse sido ofendido.

— Aparentemente as pessoas do seu povo têm entendido que precisam uns dos outros, né? Se ajudaram, se mantiveram seguros. Não são mais tão ignorantes como da última vez em que estive por aqui. — Ele olha ao redor até seus olhos pararem em Isis. — E o povo encantado aparentemente se afeiçoou a vocês. Ajudaram com seus dons de cura e me encontraram antes do grand finale. Pude me vingar pelo menos de uma delas.

— Desgraçado! Foi você quem fez isso com a Isis?

Ele ri de novo e isso faz com que a minha raiva aumente.

— Foi essa imunda que me encontrou! Graças a Isaura, não é tão difícil me encontrar agora, né?

Minha avó dá um passo à frente. Curiosamente o duende recua. Ele parece ter medo dela.

— Você não me engana. Não estaria aqui ainda se não quisesse alguma coisa. Por que continua aqui? O que está tramando?

Ele respira fundo.

— Você destruiu a minha capa e não consigo mais ficar invisível. Sei que sua neta e essa filha da mata são amigas, então proponho um acordo.

— Que acordo? — Ando alguns passos até parar ao lado de minha avó.

— Procuro um alma de gato há anos, mas como Isaura deve saber, ele é invisível aos velhos. — A pequena criatura ergue o queixo. — Se me trouxer o corpo de um alma de gato até a meia-noite, consigo desfazer o meu feitiço e a filha da mata volta ao normal.

Olho para minha avó, esperando uma resposta, mas ela encara o duende com um olhar feroz.

— Sei o que quer com isso — ela fala por fim.

— Sabe, é?

— O lugar onde se enterra o corpo de um alma de gato dá origem a uma planta que torna invisível quem come suas folhas. Você quer desaparecer de novo, não é?

Como se tivesse sido vencido, a criatura abaixa a cabeça.

Vai ficar tudo bemOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz