Alice através de Alice, pt. 4, por Delson Neto

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— Um pouco de desespero misturado a genialidade. Fiquei com medo de não poder nunca mais sair de casa. Ela era meu escape, caso eu fosse infectada — falou, movimentando a boca também para auxiliar Igor nas palavras. — Agora, será o que ela bem entender.

Obrigando a se conformar com a existência de duas Alice, Igor sinalizou para que ambas o acompanhassem:

— Então acho que ela precisa conhecer o mundo de verdade.

As mãos dos dois se encontraram, e depois a de Alice encontrou a da princesa mecânica. Era bom poder se aproximar de outra pessoa sem medo de contágio e a busca imediata por álcool em gel. Estavam prontos para viver mais, abraçar, reaprender a amar.

Passaram pela sala de outono, chegando até a porta do apartamento. Quando saíram, os moradores corriam pelo corredor em direção a saída do prédio, apressados, saltando para uma outra dimensão, onde as perspectivas se tornavam mais emocionantes e otimistas.

Empolgada, a princesa mecânica segurou-se à sua criadora, a incerteza de ambas em sincronia, mas estavam juntas. Apesar de todos os contratempos do mundo externo, era hora de conhecê-lo. Alice mostraria cada canto do bairro. A levaria para os bares, parques, indicaria comidas para provar e baladas para sair e aproveitar a noite. A noite de verdade, não a de estrelas fluorescentes compradas em uma loja de departamento qualquer.

Os três passaram de olhos fechados pelas portas do prédio, inspirando, em um mantra silencioso. Ao olharem pra fora, avistaram a avenida cheia de pessoas se abraçando, vizinhos que se reviam, amantes que se reencontravam. As gotas de garoa que caíam refrescavam os corpos reclusos por tanto tempo. A princesa mecânica esticou os braços, seguindo os movimentos de Alice e de Igor, sorrindo ao captar cada traço da água com a pele artificial.

— Bem-vinda ao nosso mundo — Igor gesticulou. — Espero que goste. É meio torto e complicado, mas dias melhores virão.

A princesa colocou as mãos nos ombros de Igor, abraçando-o em seguida:

— Eles já chegaram — disse ela. — Quero conhecer o lugar que vocês costumam ir juntos.

Alice ficou surpresa:

— Não achei que fosse lembrar. Coloquei tanta memória dentro de você.

— Lembro — a princesa respondeu com gestos rápidos. — E sei que tem alguém lá que precisa ver.

Igor piscou para Alice. Sabia bem do que a sua cópia robótica estava falando.

Correram para a praça escondida entre os prédios da Avenida Vicente Machado e as ruas que a cruzavam. Lá no coração do bairro, uma rua sem saída escondia um paraíso verdadeiro. Não era mais uma das montagens de Alice para fingir que o mundo real estava mais próximo a ela. Uma árvore em cores e forma naturais brotava em meio ao chão, acima de todos os bancos que circundavam o local, tortos em cima dos paralelepípedos e da enorme quantidade de folhas caídas no chão.

Vai ficar tudo bemWhere stories live. Discover now