— Um pouco de desespero misturado a genialidade. Fiquei com medo de não poder nunca mais sair de casa. Ela era meu escape, caso eu fosse infectada — falou, movimentando a boca também para auxiliar Igor nas palavras. — Agora, será o que ela bem entender.
Obrigando a se conformar com a existência de duas Alice, Igor sinalizou para que ambas o acompanhassem:
— Então acho que ela precisa conhecer o mundo de verdade.
As mãos dos dois se encontraram, e depois a de Alice encontrou a da princesa mecânica. Era bom poder se aproximar de outra pessoa sem medo de contágio e a busca imediata por álcool em gel. Estavam prontos para viver mais, abraçar, reaprender a amar.
Passaram pela sala de outono, chegando até a porta do apartamento. Quando saíram, os moradores corriam pelo corredor em direção a saída do prédio, apressados, saltando para uma outra dimensão, onde as perspectivas se tornavam mais emocionantes e otimistas.
Empolgada, a princesa mecânica segurou-se à sua criadora, a incerteza de ambas em sincronia, mas estavam juntas. Apesar de todos os contratempos do mundo externo, era hora de conhecê-lo. Alice mostraria cada canto do bairro. A levaria para os bares, parques, indicaria comidas para provar e baladas para sair e aproveitar a noite. A noite de verdade, não a de estrelas fluorescentes compradas em uma loja de departamento qualquer.
Os três passaram de olhos fechados pelas portas do prédio, inspirando, em um mantra silencioso. Ao olharem pra fora, avistaram a avenida cheia de pessoas se abraçando, vizinhos que se reviam, amantes que se reencontravam. As gotas de garoa que caíam refrescavam os corpos reclusos por tanto tempo. A princesa mecânica esticou os braços, seguindo os movimentos de Alice e de Igor, sorrindo ao captar cada traço da água com a pele artificial.
— Bem-vinda ao nosso mundo — Igor gesticulou. — Espero que goste. É meio torto e complicado, mas dias melhores virão.
A princesa colocou as mãos nos ombros de Igor, abraçando-o em seguida:
— Eles já chegaram — disse ela. — Quero conhecer o lugar que vocês costumam ir juntos.
Alice ficou surpresa:
— Não achei que fosse lembrar. Coloquei tanta memória dentro de você.
— Lembro — a princesa respondeu com gestos rápidos. — E sei que tem alguém lá que precisa ver.
Igor piscou para Alice. Sabia bem do que a sua cópia robótica estava falando.
Correram para a praça escondida entre os prédios da Avenida Vicente Machado e as ruas que a cruzavam. Lá no coração do bairro, uma rua sem saída escondia um paraíso verdadeiro. Não era mais uma das montagens de Alice para fingir que o mundo real estava mais próximo a ela. Uma árvore em cores e forma naturais brotava em meio ao chão, acima de todos os bancos que circundavam o local, tortos em cima dos paralelepípedos e da enorme quantidade de folhas caídas no chão.
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Vai ficar tudo bem
Teen FictionO período de isolamento social já é difícil por si só. Com a quantidade de notícias tristes ao redor de todo o mundo, então, nem se fala. É muito fácil ficarmos pessimistas, desesperançosos e alarmados. É difícil enxergarmos o fim do pesadelo e serm...