Capítulos 2 e 3

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Capítulo 2

Eram 5:30 quando o alarme da caixa de conexão de Jânio tocou. Detestava usar os fones intra-auriculares. Sentia como se alguém ou algo estivesse trovando diretamente no seu cérebro. Ainda usava as velhas caixas de conexão, com tela e áudio externos. Da última vez que precisou comprar uma teve que encomendar diretamente de um fabricante artesanal, já que as vendidas em lojas de antiguidade não possuíam os novos programas de conexão, sendo necessário introduzi-los manualmente. O aparelho era tão arcaico que algumas pessoas ficavam curiosamente fitas nele quando o usava. Mas não se importava. “Ninguém vai fazer vibrar meu cérebro”, dizia. Naquele momento aquela assertiva de pouco adiantou. No estado de sono avançado em que se encontrava o alarme soou diretamente no seu córtex. Tateou o aparelho na penumbra, xingando alto quem quer que fosse que o estava perturbando tão cedo. Verificou a ligação. Não era de um número registrado, mas uma chamada de um chat de um clube de xadrez on-line na super-rede, anônimo. O nível de raiva triplicou. Atendeu a chamada de voz. Queria simplesmente abrir o chat e digitar uma elegante mensagem de “Vai tomar…”, mas o emissário exigia o contato por voz.

— Alô! Não sei quem quer jogar xadrez uma hora dessas, mas aqui no Brasil são 5 da manhã!

— Jan! Sou eu, Ed!

A voz soava interrompida e arfante, como se o outro tivesse corrido a Maratona do Rio duas vezes seguidas.

— Ed? O que houve? Está bem? Sofreu algum acidente?

— Ainda não sei. Preciso subir urgentemente!

— Subir? Como assim? Você está aqui embaixo?

Ligou a TV e abriu no sítio de câmeras de rua. Edwardo lhe conseguira um acesso público através de um proxy1 remoto ao qual tinha conexão no Instituto de Tecnologia. Nada grave, mas de uma imensa utilidade. Disponibilizava a imagem de uma câmera que apontava para a calçada do seu pequeno edifício no início da Rua Uruguai. A câmera estava a pelo menos uns 100 metros e não permitia giro ou foco, mas tinha uma resolução muito alta. Uma ampliação local da imagem permitiria observar os nomes dos times adversários em um ingresso de futebol na mão de alguém na porta do seu prédio. Não precisou ampliar muito para identificar o amigo com o cabelo estranhamente molhado e o moletom pesado. Abriu a portaria a vácuo do prédio.

Ed bateu forte na porta do apartamento e Jânio se perguntou o porquê, se já sabia que o amigo subia. A porta não era a vácuo. Provavelmente a única em um raio de muitas centenas de metros. Mais uma extravagância do amigo. Dizia que não gostaria de chegar bêbado em casa e fechar a porta no próprio pescoço. Os drones legistas encontrariam apenas uma cabeça com um esguicho de vômito a sua frente. Ed rira quase a ponto de perder o ar. Não adiantava dizer que os detectores robóticos nunca fechariam a porta com uma unha sequer no caminho, nem que ele nunca vomitaria pela cabeça, já que o esôfago teria sido cortado. Não adiantava.

Entrou empurrando a porta e jogando o amigo para trás.

— Mataram-nos, Jan!

— Quem rapaz. Quem matou quem? De que porra você tá falando?

— Os drones! Os drones os mataram.

Jan tinha um raciocínio rápido para entender os procedimentos do Condão. Afinal era seu trabalho instruir os drones no protocolo padrão. Nada que não fosse extramente mecânico e enfadonho, já que o software não sofrera modificação interpretativa no Brasil nos últimos 50 anos, apenas implementações de normas regulamentares. Este trabalho não era a sua paixão, e sim as aulas que dava na EV de História do Direito, onde, com alguma sorte, poderia encontrar uma alma caridosa que questionasse a interpretação legal e permitisse um debate. Mas era raro.

Condão (Lista Internacional)Where stories live. Discover now