Capítulo 2 - Primeira Impressão

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Pequenos raios solares invadiam o cômodo pela janela de modo sorrateiro, quase como um intruso temendo ser descoberto. Pequenos raios que mal iluminavam o céu depressivo daquela manhã.

Suspirei pesadamente ao sentir a alfinetada na minha cintura. Helena, imediatamente começou a se desculpar com o semblante amedontrado e eu me esforcei para manter a postura rígida enquanto era espetada, medida e coberta com um pedaço de pano. Aquilo estava me esgotando.

Em poucos dias eu teria uma morte trivial e inevitável, mas antes teria que passar pela cerimônia que antecede o casamento, uma tradição que serve para apresentar os noivos para a sociedade. Todos ali pareciam contentes com o evento. Seria um escândalo se descobrissem o descontentamento da noiva.

Helena, novamente apertou o corpete em meu corpo, me deixando sem ar por míseros instantes. Ela alinhou a saia branca e rodada do vestido e por fim me libertou daquele sofrimento.

Aliviada, eu observei pelo espelho quando ela deixou o cômodo e suspirei pesadamente.

Em seguida, eu saí pelo corredor até o último quarto, o quarto que costumava ser da minha mãe.

Tateio o criado mudo a procura do livro que eu, outrora, estava lendo. A cômoda estava empoeirada e os livros empilhados perfeitamente, do jeito que ela os deixará.

Abro o livro em meu campo de visão observando atentamente cada letra ali escrita. A letra impecável de Madeleine preenchia as páginas do livro que tanto me atraía. Quando mais nova, eu costumava passar a maior parte do meu tempo aqui, tentando recuperar as memórias antes de sua morte. Mas nada voltava, a não ser as memórias daquela noite e o pavor que me assolava.

Os barulhos no andar de baixo pareciam não cessar. Eu estava ciente que havia visitas na casa, mas eu os ignorava maestriamente. O vestido branco ainda estava em meu corpo e eu respirei profundamente com a sensação que aquele simples pedaço de pano me causava. Fixei meu olhar na janela do quarto desejando um futuro diferente, um futuro regido pelas minhas vontades, onde eu sou livre para decidir o que fazer.

- Você sabe que não pode ficar aqui! - Mattheo surgiu na porta do quarto, apoiando-se no batente da porta e me fitando com um olhar que me repreendia severamente por estar quebrando, novamente, as regras. Ele fez uma careta, que para ele impunha certa intimidação, mas para mim não passava de uma careta que geralmente vimos em crianças emburradas.

-Sei! - Declaro, sem desviar o olhar do horizonte além das montanhas, que me parecia tão indecifravel e intrigante, me levando a mergulhar em ideais mirabolantes do que poderia existir do outro lado.

- E mesmo assim, você vai continuar aqui! - Ele constata dando uma leve risada anasalada. De olhos fechados, ele respira fundo a leve brisa que atravessava a janela antes de retornar seu olhar em minha direção.

-Vou! - Anúncio olhando por uma fração de segundos em seu rosto, voltando em seguida a encarar a janela. Ouço seus passos pelo cômodo e seus pensamentos desconexos invadindo minha mente, me concentro em sua respiração travada ignorando cada palavra que ouvia do seu subconsciente.

Mattheo era um jovem formoso, de boa aparência e diálogo agradável. Seus pensamentos revelavam intensamente seus sentimentos que não poderiam ser retribuídos, uma vez em que eu não me sentia da mesma maneira.

Ele era sobrinho de Helena e o mais próximo de amigo que eu poderia ter.

Ele parou ao meu lado na janela e me observou por algum tempo, a testa franzida, discorrendo em pensamentos os motivos pelos quais eu poderia estar ali. Ele soltou o ar de seus pulmões levemente e cruzou os braços em frente ao corpo com uma posição rígida, até mesmo sua feição havia se endurecido. Ele avaliou o vestido em meu corpo com pesar em sua feição.

Sólida - O Princípio da Eternidade Onde histórias criam vida. Descubra agora