CAPITULO DOIS - TEORIA DA MEMORIA

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JEON JUNGKOOK

HUMANO

Num geral, eu não me lembrava de muito do meu tempo de colégio. Havia algumas vagas recordações de bullying e comentários maldosos que sempre voltavam a mente, vez ou outra, eu me lembrava de uma aula específica ou um conteúdo que se fixou em minha mente por nenhuma razão. No meu último ano houve uma aula de filosofia que falava sobre identidade, e houve uma discussão sobre a chamada "teoria da memória". Havia um grande problema nessa teoria, já que esta dizia que meu Eu do passado, só era o mesmo Eu do presente, se me lembrasse do que houve com esse meu Eu anterior. Acontece que a maioria das pessoas não se lembra do próprio passado. Conforme ficamos velhos as memórias envelhecem conosco, se apagam, são refeitas, o que lembramos acontecer, pode nunca ter acontecido de verdade.

Eu não tinha muitas lembranças de infância, mas houve uma que carreguei a vida toda.

Não era sobre meu irmão, nem sobre como eu o perdi, talvez minha memória infantil, num mecanismo de defesa mental, fez com que tudo sobre Junghyun se apagasse como um sonho antigo, deixando somente dor para trás. Minha maior lembrança infantil, era sobre ele.

Havia um corredor na casa em Busan, que levava aos três quartos, tudo era de madeira e mesmo com as luzes acesas, ainda era escuro quando estava muito cedo ou muito tarde. Minha mãe falava com uma tia no telefone quando ele chegou, eu estava encolhido junto a parede, escondido de vista graças a um sofá no meio do caminho. Quando minha mãe abriu a porta, a luz do sol brilhou forte atrás dele, e o fez parecer um anjo.

Isso até ele dizer o porquê tinha vindo até ali, minha mãe começar a chorar em desespero e eu correr para o quarto, me escondendo debaixo dos edredons, como se isso pudesse me proteger. Fizesse a dor ir embora. A dor continuou lá, sempre continuaria lá, mesmo que Junghyun fosse menos que um fantasma em minhas lembranças e meu único contato com deuses era quando fingia me importar com eles para ser aprovado na Força de Paz.

Após ter visto Kim Taehyung, depois da morte de Zeus, meu primeiro pensamento, - no meio do turbilhão de gritos raivosos na delegacia e dezenas de repreensões por minha estupidez -, era de que Poseidon continuava igual. Igual quando o vi no grande casarão em Daegu. Igual o vi em minha casa em Busan, quando devolveu o corpo do meu irmão. Nada nele havia mudado. O Kim Taehyung que vi com 6 anos, era o mesmo que vi com 24. Mas ele não se lembrava de mim e provavelmente não lembrava de meu irmão, então pela teoria da memória ele não era mais o mesmo.

Durante meus anos de terapia, ouvi várias vezes que não conseguia progredir no tratamento por estar irremediavelmente preso ao passado. O Jungkook de 24 anos, estava preso ao Jungkook de 6, que carregava o peso da morte do irmão e tratamento algum me fazia esquecer de verdade, superar, pelo menos não enquanto eu não fizesse um esforço real pela melhora, mas nada que eu fazia era o suficiente.

Porém, toda vez que os psicólogos me diziam isso, eu falava que não me lembrava de nada, que a dor tinha ido embora, que meu único problema era o mar. Mas era mentira, claro que era. Aquela lembrança, aquela única lembrança, sempre esteve comigo. Pessoas se esquecem, deuses se esquecem... Eu gostaria de poder esquecer também do rapazinho de 6 anos espiando num corredor escuro.

Queria muito, que aquele garoto, não fosse Eu.

(...)

"Estação Gangnim, próxima parada Estação Orfeu", o sinal sonoro soou na locomotiva, as portas se abriram.

Algumas pessoas saíram, outras entraram. O sinal sonoro das portas soou. O metrô voltou a se mover. Dentro da locomotiva não se ouvia nada além da transmissão do noticiário, estava em todos os lugares. Zeus tinha morrido e a cidade entrou em luto. Todos usavam roupas escuras e lenços pretos amarrados nos pulsos, e tive de fazer o mesmo ou seria considerado ofensivo. Minha foto foi exibido nas cinco telas do vagão e me encolhi no capuz, puxando o cachecol para que cobrisse melhor o rosto, quase feliz pelo dia estar frio como numa manhã de nevasca. A notícia dizia que eu era o policial encarregado e que as pessoas e a mídia não deviam interferir no caso ou os deuses se irritariam.

HAG: Human Among Gods - LIVRO 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora