Capítulo 3

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ELIZABETH D'EVILL

-Harry, o que leva alguém a desistir do título?

-Temo que isso não seja possível, querida irmã. - Poderia ter sido mais reconfortante se ao menos meu  irmão olhasse em minha direção, mas ele está tão concentrado em seu jogo de cartas. Charlotte sempre ganha, por que ele ainda tenta?

-O que leva um homem a não procriar para manter o título na família?

Para mim, a pergunta havia sido inocente e sem qualquer agravante, porém o resto dos presentes olhou-me com espanto. Harry ficou pálido repentinamente, Victoria - que estava confortavelmente deitada sobre o sofá oposto - engasgou e Charlie desatou a gargalhar.

-O que sabe sobre isso, Elizabeth? Quem andou lhe contando sobre procriação?

-Que pergunta tola, Harry. Crianças não nascem em árvores, olhe para Victoria! - Aponto para minha irmã e sua enorme barriga de oito meses - Procriação não é o foco aqui, minha pergunta é estritamente científica.

-Científica?

-Querida, pode ser mais específica? - Minha irmã mais velha senta-se lentamente com minha ajuda e os outros irmãos, Harry parcialmente a contragosto, retornaram para as cartas.

-Títulos são heranças familiares importantes, certo? Por que alguém simplesmente desistiria dele? Títulos guardam histórias, lembranças... São especiais.

-Charlie tape os ouvidos. - Meu irmão ordena e a pequena prontamente o "obedece", sei que ela consegue escutar tudo de igual maneira - Talvez a pessoa seja infértil, já que abordou "procriação".

-Como uma pessoa sabe que é infértil?

-O casal não consegue ter filhos, um dos dois possui algum problema de fertilidade, creio eu. - Vic explica acariciando o ventre gigante.

-Apenas isso?

-Outros problemas podem interferir também. - Meu irmão volta a se manifestar - Problemas de saúde ou acúmulo excessivo de trabalho.

-Problemas econômicos. - Vic dá de ombros - Ouça, lhes contarei porque sei que não sairá daqui, mas um bom exemplo é o próprio Lawfort. Daniel está afundado em dívidas, vem trabalhando duro para reerguer as coisas, mas parece que está difícil.

-Daniel? Lawfort não era Thadeo, Theo ou algo assim? - Meu irmão parece tão confuso que por um momento pensei em rir de sua expressão, mas o assunto levantado me interessa.

-Não seja tolo. Timothy Crane era o antigo conde, foi morto em um assalto de estrada há um ano. Daniel retornou da guerra e viu-se obrigado a enfrentar toda a situação desastrosa da propriedade.

-Não tinha ideia de que isso tinha acontecido.

-Você tornou-se um recluso em Wendwood! - Minha irmã o acusa e ignoro completamente os dois, precisando pensar um pouco.

Acabo de terminar minha segunda temporada social e mostrou-se idêntica a passada. Houve propostas, as pessoas comentaram, foi dada como um sucesso, mas sem nenhum pretendente mostrando-se realmente promissor. É frustrante, não há como negar, as pessoas se incomodam com a minha incapacidade de segurar a língua - especialmente quando estou nervosa - e acabo destruindo minhas chances de encontrar um casamento feliz e sólido como o de meus pais ou de meus irmãos mais velhos, Anthony e Victoria.

Vic tem três anos de casamento e Tony dois, eles são tão felizes e estão construindo suas próprias vidas de maneira invejável. Não posso reclamar de minha família, sempre unida, acolhedora e amorosa, mas sinto um forte desejo de começar uma própria. Papai tentaria disfarçar o choque de horror se me ouvisse dizer algo assim e mamãe listaria rapidamente todos os melhores pretendentes.

As pessoas de Elbenia nunca mudam, sempre ocupadas demais em seus próprios interesses e nos artigos da moda para ir além. Os rapazes estreantes não cativam e os já conhecidos são simplesmente... Conhecidos.

Não tenho amor à vista e certamente não o terei tão logo. Preciso ser prática e pensar em algo inteligente, como criar minha própria família feliz como a de meus irmãos onde eu não seja uma prisioneira de conveniência? Gosto da minha liberdade e definitivamente não estou disposta a abrir mão dela.

Liberdade é importante, procure o que quiser para sua vida, mas jamais, NUNCA, permita que se torne uma prisão. Ser um prisioneiro não é ser feliz, mesmo que se trate de uma gaiola de ouro.

-Não gosto quando fica muito calada, Elizabeth. - Victoria me lança um olhar desconfiando e movimento minha mão, fazendo-lhe pouco caso.

-Harry, estaria disposto a deixar o seu título morrer?

-Claro que não, era o título do vovô. Está na família há séculos, não posso simplesmente abandoná-lo.

-É uma relíquia de família, certo?

-Sim?

-Estas me perguntando ou respondendo?

-Depende do que irá aprontar.

-Oras, que ultraje! - Ponho-me de pé - Divirtam-se em seu jogo de cartas. Vic, se precisar de mim estarei explorando sua biblioteca.

-Sinta-se à vontade, querida.

Deposito um beijo na bochecha da minha irmã antes de seguir meu caminho ao refúgio secreto. Não importa onde seja, por algum motivo desconhecido, bibliotecas me acalmam. São ótimos lugares para se pensar e ordenar os pensamentos sem interrupções desnecessárias.

Daniel Crane é um homem muito bonito, não há como negar, com posses, um título, todos os dentes e honrarias de guerra. Ele é um partido perfeito, certamente mamãe me apoiaria. Também é grosso e muito mal educado, mas posso conviver com isso. As cicatrizes? Bem, de alguma maneira elas conseguem deixá-lo charmoso. Não que ele não fosse charmoso antes, mas agora há algo diferente ali.

Ah... Lembro-me da primeira vez o que vi, durante um passeio de minha irmã com seu marido - na época pretendente -, ele estava tão elegante, bonito e o sorriso... O sorriso jovial e travesso. Para uma moçoila de dezesseis anos ele me pareceu a personificação de um príncipe. Infelizmente fomos andando mais atrás naquele dia, visando ceder maior privacidade a minha irmã e ao duque, mas fiquei tão nervosa. Sua proximidade, sua beleza e o sorriso, como se a qualquer instante fosse se aproximar o bastante e confessar algo errôneo e somente nós dois saberíamos.

Infelizmente no alto de meu nervosismo comecei a falar - falar muito - e quando tentei me repreender sobre o que estava fazendo soou completamente distorcido e o homem entendeu tudo errado. Daniel pensou que eu estava sendo grossa e tendo um surto de garota mimada com ele, quando na verdade lutava para enfrentar meu maior defeito enquanto me dividia entre intimidada e encantada por sua presença.

Ora, eu tenho um dote absurdamente obsceno. Isaac, meu cunhado, rejeitou o dote de minha irmã quando ambos de casaram e fora decidido que o dinheiro ficaria em nome dela. Com essa belíssima experiência em mente, papai aumentou muito meu dote - que já era bem valorizado.

Eu quero me casar e manter minha liberdade. Daniel precisa de dinheiro. Por que não? Se ele rejeitar ninguém ficará sabendo, seguirei minha vida normalmente e assim que minha irmã tiver seu bebê retornarei para Brightdown e fingirei que essa loucura nunca aconteceu.

Capitão Irresistível - Os D'evill 03Donde viven las historias. Descúbrelo ahora