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A garoa caía friamente sobre as árvores, e o vento chacoalhava as folhas que soltavam uma melodia quase audível, se não fosse o barulho do motor do carro do jovem casal. Dobreved, homem de olhos cor de âmbar, sorriso estonteante e pele em tom escuro, não fez questão de falar sequer uma palavra com a namorada, Mackensie, que estava no banco de passageiro. A loira de olhos azuis profundos e genuínos estava atenta às árvores à beira da estrada e tinha o celular em mãos, pois esperava uma mensagem importante de uma amiga. Inclinou o corpo sobre o vidro, pensando que sua mente estava lhe pregando peças por ter visualizado um homem na estrada. Mas quem seria o louco de andar à noite na estrada fria? Voltou a atenção para o telefone; Emmaline mais cedo estava inquieta com algo, como se tivesse uma questão de extrema importância para falar com Mac.

— Estranho — exclamou sem demais pretensões.

O homem rapidamente olhou para ela e voltou a olhar para a estrada, notando que a mulher pensara alto. Julgou que deveria ficar em silêncio e o deixou reinar por alguns minutos, todavia a curiosidade imperou em sua mente, fazendo-o indagar:

— O que é estranho? — Ele esperava uma resposta direta.

— Sinto como se estivesse sendo observada. — Olhou para o homem como se esperasse uma resposta que fosse acalmá-la.

— Você está muito cansada, querida. Acredito que o jornal te forçou demais hoje.

Mackensie, aos 22 anos, trabalhava como estagiária no jornal central de Consterian, um dos maiores da cidade. Ela ajudava a escrever a coluna de fofoca; mesmo que não fosse o mais interessante, era o melhor que uma estudante universitária conseguia adquirir naquela idade.

Apenas concordou; não queria estender assunto com alguém que não se importava. O celular notificou, e ela olhou para a tela; Emma lhe enviara algumas imagens. Ela abriu e ficou alguns segundos esperando as imagens carregarem completamente. Quando isso aconteceu, o ódio injetou-se em seu sangue e o tremor tomou conta de si. Respirou fundo duas vezes e finalmente tomou força para ordenar com braveza:

— Pare o carro agora.

O homem olhou para ela de relance e ignorou o que ela dissera. Ficou em silêncio, o que fez a mulher repetir o que dissera, desta vez com mais imponência.

— Mandei parar o carro agora, Dobreved. Eu não estou pedindo e, se você não parar, irei abrir a porta e pular.  — Levou a mão até a porta, de modo a demonstrar que estava falando sério.

Ele parou o carro instantaneamente, com fúria e ódio por ter parado no meio da estrada vazia. Apoiou a mão sobre o banco, observando a mulher.

— O que você tem, hein? Estamos a meia hora de casa, já é de madrugada e você me faz parar na pista à noite. Não sei se percebeu, Mac, eu também estou cansado — ele falou, sendo boçal.

Ela permaneceu olhando para ele e ficou ali, deixando o silêncio imperioso reinar, como se pudesse degustar a emoção do homem e jogá-la sobre ele com mais fúria.

— O que eu tenho? — perguntou, incrédula, erguendo o celular com as fotos do homem com outra. — Tenho isso, Dobreved. Fotos do meu namorado com outra.

Tremendo, ela tirou a aliança do dedo e a jogou sobre o homem. Queria xingá-lo, queria matá-lo por deixar seu coração em pedaços, mas em vez disso ela apenas abriu a porta do carro, tirou o cinto e desceu do veículo. Ele a seguiu, segurando no braço da mulher.

— Posso explicar, Mackensie. Não é o que você pensa — falou, esperançoso.

Ela puxou o braço das mãos do homem — a caminhada até a sua casa era tranquila — e então, com a outra mão bem aberta, ela bateu no rosto dele.

— Tem razão. Não é o que penso, é o que vejo. — Fez uma pausa. — Quero que vá embora! Que nunca mais toque em mim!

O homem então agarrou-se a ela, abraçando-a, e ela se mexeu tentando se livrar dos braços fortes, todavia falhando miseravelmente.

— Me escuta, ok? — Ele esperou a mulher parar de mexer, o que não aconteceu, e por esse motivo permaneceu segurando-a. — Eu nem me lembro de ter feito isso, foi só uma vez, eu me arrependi. Não falei porque não queria te perder. — Finalmente soltou a mulher, esperando uma resposta.

Ela estava sendo tomada pela dor. Há alguns dias Emma falara sobre isso, que o namorado a estava traindo. Ela advertia a amiga por não acreditar, mas com aquelas imagens em mãos tudo o que sentia era nojo. Virou as costas e então andou para a direção norte, onde ficava a sua casa.

— Dê meia-volta, homem, e volte para sua casa.

Essas seriam suas últimas palavras para ele. Continuou a andar e abraçou os próprios braços para se esquentar. Com o celular em mãos, via a tela piscar; provavelmente estava recebendo mais mensagens. Escutou o carro do homem ligar, fechou os olhos e parou de andar. Quando viu sua sombra sob a luz, pensou que ele fosse passar por cima dela, mas o som ficou cada vez mais distante. A rua estava iluminada pela luz prateada da lua, e ali ela chorou baixinho, chorou por ela e por todas as vezes que defendeu o homem.

Sem prestar atenção, seu corpo se chocou com o de alguém.

O homem tinha o cabelo escuro e pele tão clara que quase parecia ser feito de mármore. Tinha olhos claros repletos de temores e mistérios, era alto e forte e segurou os braços da mulher, deslizando a mão direita até o rosto dela, avaliando de perto pela primeira vez aqueles olhos abertos, a surpresa no olhar dela. Secou sua lágrima.

Ele observava a senhorita Lencastre havia muito tempo, havia anos. Exatamente cinco anos atrás, a loira estava tentando cozinhar algo na madrugada e ele estava caminhando pelo bairro dela quando sentiu o cheiro, o doce e suculento cheiro do sangue dela, pois ela fez um pequeno corte na mão. Ele se aproximou da janela; não seria difícil entrar. Quando seus olhos foram de encontro com o rosto dela, o sorriso em vez do choro, pela primeira vez ele sentiu o coração bater, então não a atacou, não seria capaz. Desde então ele observava cada passo dela, e às vezes até a ajudava indiretamente.

— Está chorando — exclamou baixinho.

Ela, no que lhe concernia, bateu a mão contra a do homem, afastando-se dele. Desejou ter uma arma ou algo para atacá-lo. Tudo o que fez, tudo o que podia fazer era correr, correr o mais rápido possível.

Lua de SangueWhere stories live. Discover now