Capítulo IV

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Minha cabeça pesava no travesseiro. Respirei fundo enquanto coçava os olhos que não queriam abrir. Uma brisa fria soprava do exterior de minha janela e vinha de encontro às minhas pálpebras. Eu sentia meus músculos doloridos, mas, principalmente, uma dor de cabeça insuportável. Será que eu havia ficado bêbada pela primeira vez em minha vida? Era a única explicação lógica que eu poderia imaginar para lidar com um pesadelo tão alucinante. Entretanto, alguns copos no bar Candle não seriam suficientes para com a minha alta resistência, principalmente porque não lembro ter bebido absolutamente nada na noite anterior.

Fiz esforço nos músculos para que meu tronco pudesse se reerguer, e só assim consegui me sentar na cama, embora ainda gemesse baixinho com a dor. Alisei meus lençóis com os dedos, procurava pelo meu celular, até lembrar que ele ainda não estava comigo. Nesse movimento senti falhas na colcha, e imaginei o quanto devo ter me movimentado durante o pesadelo grotesco. Finalmente, começando a abrir os olhos, bastante sensibilizados com a claridade, dei os meus primeiros passos vacilantes no chão frio, e acabei segurando um novo grito de dor. Sentei na cama novamente tentando analisar onde eu havia pisado, era algo pontudo e agressivo, um caco de vidro.

Assim que o removi, a ferida começou a se curar. Olhei para o fragmento e vi minha imagem refletida, as gotas de sangue serviam como moldura. Naquele momento fui atingida por tremores internos e minha memória vagueou em um lugar profundo de minha mente. Sentindo o nervosismo crescer em mim, virei o rosto na direção do meu espelho enquanto rezava para que fosse apenas o efeito da ressaca. Porém, ele não estava ali, assim como todo o chão estava repleto de cacos finos e quebrados, um verdadeiro campo minado.

Respirando com dificuldade voltei minha atenção aos lençóis e notei que não haviam sido removidos pela agitação da noite, mas, sim, rasgados. Imagens, então, voltaram rapidamente à minha mente. Não havia sido um pesadelo, e todos os pedaços de vidro, cortina derrubada e lençóis rasgados comprovavam o ocorrido. Olhei rapidamente para o meu corpo em busca de alguma anormalidade, mas, além das roupas folgadas, tudo parecia normal com minha pele e unhas. Respirei mais aliviada, sentia um grande peso esvair do meu peito, apesar de ainda estar confusa e com medo. Talvez minha mente tivesse somado um estágio de sonambulismo com um filme de terror, e, desse modo, transfigurado a minha imagem, como só um sonho poderia fazer.

Ri sozinha, nervosa com esse pensamento, mas logo lembrei que minha mãe havia participado ativamente desse meu sonho. Será que ela estava bem? Pulei da cama e corri para o quarto dela, tomando o devido cuidado para não me cortar mais com o vidro. Para minha surpresa a sua cama estava feita como se ela não tivesse dormido, ou saído muito cedo para o trabalho, como normalmente fazia. Voltei para o quarto e me sentei novamente, respirei fundo. Se algo realmente tivesse acontecido ela ainda estaria em casa, não é mesmo? Aguardaria para uma conversa comigo ou algo do tipo. Sim, não havia com o que me preocupar, tudo não passava de um sonambulismo agressivo.

Uma buzina alta e uma batida forte na porta do vizinho me despertaram para a realidade, lembrando-me do serviço comunitário de hoje cedo. Levantei secando as lágrimas que haviam começado a escorrer dos meus olhos, aparentemente sem motivo, e fui para o banheiro me arrumar. Deixei me perder por alguns segundo na água gelada, que limpava o meu corpo e suavizava os meus sentimentos. Quanto aos acontecimentos da noite anterior, eu poderia refletir com mais calma depois e auxiliada pela minha mãe, quando ela voltasse para casa.

Coloquei um jeans e um casaco velho, os primeiros que apareceram no meu armário, e prometi a mim mesma que lidaria com a bagunça do quarto quando voltasse. Bati a porta de casa e a tranquei, e apressei o passo pelas ruas para não me atrasar demais. Passando rápido pelas ruas parei, de maneira repentina, numa esquina, um sexto sentido me alertava sobre algo ali. Respirei fundo antes de entrar pela rua, a qual foi responsável por uma nova sequência de imagens em minha mente. Ela estava sendo isolada pelos policiais com várias fitas amareladas. Alguns poucos moradores, ainda vestidos com seus pijamas, conversavam com dois policiais, enquanto, não muito distante, o delegado Smith fumava um cigarro de frente a uma grande árvore.

O Clã Varcô - Amostra Grátis Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora