Incertezas

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Jane


 As outras crianças costumavam ter medo de mim quando eu era pequena.

 Por estar continuamente nas mãos dos médicos, de teste em teste, elas me fitavam como se eu tivesse alguma doença contagiosa e, só de me olhar, pudessem contraí-la. Era horrível ser tratada assim. Como era horrível ter sangramento nasal frequente devido ao cansaço excessivo.

 Algumas crianças não queriam estar próximas a mim e outras gostavam de soltar piadinhas de mau gosto sobre minhas habilidades há tempos destacáveis. Entre elas, o maldito Troy Cocker.

 Troy azucrinava a minha vida desde que me entendo por gente e constantemente buscava ser melhor do que eu em tudo que fazia. Essa tendência gananciosa o levou à enfermaria por diversas vezes.

 Eu não era uma super-humana, por mais que parecesse em alguns momentos, o que significava que me machucava como qualquer outro. Essa explicação não foi o bastante para os curiosos de plantão da época e tive que lidar com muito mais comentários inconvenientes do que antes. Foram tempos difíceis para o psicológico de uma garotinha de sete anos, mas aqui estou eu, salva e buscando manter intacto o pouco de sanidade restante.

 Quando cresci, essas coisas mudaram. Ganhei o respeito que sempre mereci e a partir disso, quase ninguém mais ousara me ofender em qualquer aspecto que fosse.

 Os fins de semana eram meus dias favoritos. Como na maior parte das vezes estava engajado com algum projeto ou resolvendo assuntos de estado, meu pai me deixava sob a supervisão dos Byers.

 Eu e Will recebíamos permissão para comer quantidades exorbitantes de cookies de chocolate após a refeição principal, e logo corríamos para nos sentar no tapete em frente à TV para assistir a todos os filmes das franquias de Star Wars, O Senhor dos Anéis, Harry Potter ou qualquer outra saga nerd clássica que se possa recordar. Esses foram os meus únicos momentos de alegria durante a infância e por isso são extremamente valiosos para mim.

 Habitualmente desejava ter uma mãe como a tia Joyce.

 Gostava de ficar observando o jeito amoroso como ela encarava Will e o modo como os dois sorriam apenas ao olharem um para o outro. Eu jamais seria capaz de entender o que era esse laço materno e isso não me invejava, porém trazia uma quantidade inevitável de tristeza às vezes.

 Tia Joyce conhecera a minha mãe, todavia por ordens do meu pai não podia falar muito sobre ela para mim. A mãe de Will dizia que eu me parecia muito com ela quando sorria e também quando franzia o nariz ao não gostar de alguma coisa.

 Terry Ives sempre foi e sempre será a mulher mais importante da minha vida, mesmo que eu nunca tenha tido a oportunidade de sequer olhar uma fotografia sua.

 Segundo o meu mínimo conhecimento, minha mãe sempre quis que eu seguisse o caminho dos militares. Ela esperava que eu fosse alguém bem-sucedida, de todas as maneiras possíveis de se imaginar, mas sobretudo ela queria que eu fosse feliz. Que eu fizesse as coisas por amor e não por pura obrigação.

 E apesar de todo o sofrimento, de todas as noites sem dormir, eu amava sim. Amava proteger as pessoas, amava ser reconhecida por isso, eu procurava constantemente dar o meu melhor em tudo que fazia.

 Nos dias em que a melancolia se apodereva dos meus pensamentos, eu me recolhia na sala de treinamento e descontava a frustração no manequim disponível para os treinos de combate.

  Viver sem uma mãe doía. Nossa, doía demais; era o tipo de dor que eu jamais desejaria a alguém, fosse quem fosse, pois não há pessoa no mundo que possa substituí-la; por isso, se você ainda tem a sua ao seu lado, eu te diria para abraçá-la o máximo que puder. Assim, sem motivo aparente, sem precisar esperar a chegada de uma data especial.

Mileven: Two WorldsOnde histórias criam vida. Descubra agora